A difícil arte de ser criança.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia
Crianças gostam de desenhar para expressar seus sentimentos. Quando quer dizer que ama a mãe pinta uma flor, um coração e sua mensagem é entendida com facilidade. As crianças da Maré, cansadas de sofrer tanta violência expressaram suas angustias através de desenhos que enviaram para os responsáveis por esse sofrimento. O Presidente do Tribunal de Justiça, cuja decisão de uma juíza de primeira instância havia arquivado uma ação civil pública onde a comunidade solicitava respeito ás crianças nas ações policiais, e ao Governador do Estado que manda sua polícia “atirar na cabecinha”.
As crianças não foram compreendidas. Logo afirmaram os destinatários que as crianças estavam sendo manipuladas. Nada conhecem da realidade dessas crianças que são alvejadas diariamente quando se deslocam para ir ás escolas. Como podem essas crianças gostarem de ir à escola? O que podem aprender de bom quando os responsáveis por justiça e educação, não conhecendo suas realidades diárias, manda que atirem em suas casas, suas ruas, e até em suas escolas? Atirar nas comunidades do alto de um helicóptero é uma temeridade que se tornou uma angustia permanente para milhares de cidadãos inocentes e trabalhadores sob o pretexto de combater a criminalidade. Qual criminalidade?
Segundo dados da UNICEF 32 crianças são mortas por dia no Brasil, sendo o segmento mais vulnerável, o que mais vítimas violentas tem. O Rio de Janeiro alcançou nos últimos dez anos o vergonhoso índice de 53/100 mil, das 377 mortes, 299 eram negros. Um genocídio que tem autoria conhecida. O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro aponta que 25% das mortes ocorreram através de intervenções policiais.
Qual será o impacto dessa violência no desenvolvimento mental dessas crianças? Qual o impacto desses tiroteios na vida dessas crianças cujas comunidades são atacadas diariamente pelos helicópteros do Senhor Witzel? Trata-se de combate à violência ou curso para fomentar crianças violentas? Esse impacto será permanente e outros jovens com depressão invadirão ônibus fazendo reféns cidadãos trabalhadores e inocentes por culta dessa tortura institucional.
Somente nesse ano, foram contabilizados 1410 tiros nas proximidades das escolas. A mídia tem mostrado crianças uniformizadas correndo das invasões policiais e até óbitos de jovens estudantes no interior das escolas. Ivone Bezerra de Melo que mantém há anos uma ação social na Maré colocou um cartaz no teto de sua escola solicitando: Não atirem. Crianças estudando! Isso tem gerado medo nas crianças que não querem mais ir às escolas. A evasão escolar tem aumentado. Como aprender alguma coisa nessas condições de guerra às crianças? Como ensinar com a tranquilidade que os professores devem ter? Quantos professores estão pedindo transferência para outras escolas?
Enquanto isso, como consequência dessa política perversa de guerra aos pobres, já que nenhum helicóptero é visto atirando a ermo nas zonas residenciais privilegiadas, como garantir o respeito constitucional aos direitos de crianças e adolescentes com o esvaziamento dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares? Mas se não se cuidam das crianças, e muito menos da saúde e da educação, um decreto anuncia que fatos piores se anunciam: recolhimento compulsório das vítimas da falta de política pública de moradia e de cuidados com a saúde. O Rio de Janeiro não merecia isso!
Como educadora, essas situações nos afligem no cotidiano de nossas escolas. Esta semana, soube que uma amiga estava sendo transferida de sua escola, deixando sua turma para ir exercer sua função em outra escola e deixar de ensinar aquilo que ela mais gosta: cidadania, direitos, solidariedade, compromisso, lealdade, respeito e acima de tudo Amor. Ela foi retirada de sua sala de aula porque decidiu alfabetizar sua turminha de 3º ano, que não estava alfabetizada, resolveu transgredir aquilo que comumente chamam de planejamento de conteúdos. Senti dor e tristeza, ao ver que a intolerância não escolhe pessoas e muito menos se importa em refletir sobre o futuro.