COLUNISTASA ponte para a liberdade – por Siro Darlan MAZOLA, 22 horas ago 0 9 min read 21381
Por Siro Darlan –
Série Presídios XIV.
A representação gráfica, mesmo antes da linguagem e da escrita, foi o primeiro meio de comunicação e significado para a humanidade. O desenho é o ato de substituir a realidade pela representação, ou seja, substituir objetos por imagens codificadas em cada um dos sistemas de representação gráfica.
Na arquitetura, a representação gráfica estimula a imaginação e é a base do pensamento do projeto, uma vez que não só constitui nosso código de comunicação, mas também molda nossa capacidade de nos expressarmos em termos disciplinares. O desenho é primeiro construído na mente do arquiteto e depois transferido para o suporte determinado por qualquer tipo de instrumento.
Arquitetura prisional no Brasil é a arte de produzir sofrimentos humanos através de espaços desumanizados e cruéis.
Você já parou para pensar como se projeta um presídio? Além das questões de layout das celas, tamanho dos corredores, orientação dos pátios para o banho. Tudo isso impacta diretamente no cotidiano daqueles que vivem nessas jaulas.
Até dezembro de 2017, os espaços eram obrigados a seguir diversas regras para a construção de presídios no país, previstas na Resolução Nº 9 / 2011e na Lei de Execução Penal. Porém, o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), decidiu flexibilizar essa resolução e a própria lei.
Antes, era obrigatório que espaços como lugares de trabalho tivessem uma área mínima proporcional ao número de presos. Com a flexibilização, essa obrigatoriedade não existe mais. A maior preocupação é a de que, sem a exigência de áreas mínimas, fique ainda mais difícil para os detentos terem acesso à educação e ao trabalho (cujos espaços, agora, podem ser de tamanhos insuficientes para a quantidade de presidiários). Nesse contexto, buscamos entender como funciona a arquitetura prisional no Brasil e no mundo, e quais as suas diretrizes básicas.
A primeira coisa a ser levada em consideração na hora de projetar uma prisão é, claro, a segurança.
É necessário pensar que até mesmo os materiais de construção escolhidos podem ser usados como arma”, alertam os arquitetos, por exemplo, precisa de uma armação de ferro, que é instalada próximo à superfície, tornando possível os presos escavarem para tirar os vergalhões, explicam. Além do concreto tradicional, a vitrificação também é usada nos presídios. Algumas empresas brasileiras usam materiais como o Glass Reinforced Concrete (GRC), uma espécie de concreto reforçado com dupla resistência como o que usado em projetos arquitetônicos. E o Corian, material de alta resistência composto por resina acrílica e minerais naturais.
Além disso, você sabia que, extraoficialmente, presos membros de uma facção criminosa são enviados a presídios específicos? Isso significa que, quando se está projetando um cárcere, ele sabe a que facção será destinada, e qual é o perfil dos integrantes. “Isso não é publicado em nenhum lugar porque eles não querem dar visibilidade ao crime organizado, mas, na prática, a gente tem que trabalhar com esse perfil. Por exemplo, o preso do Comando Vermelho é um preso mais rebelado, mais impaciente, quebra mais. Já o PCC tem um perfil mais estrategista, e eles, em geral, têm bom comportamento porque querem sair o mais rápido possível da prisão. Então, uma unidade penal dedicada a presos do Comando Vermelho, é construída com materiais mais resistentes do que no caso do PCC”, analisam os profissionais.
A arquitetura também impacta diretamente na saúde da população carcerária. Até a Resolução Nº 9 /2011 ser aprovada, não se levava em conta o norte magnético na hora de construir o presídio. Então o que acontecia era que, com os muros muito altos e os pátios muito estreitos, o ar puro não chegava até os presos.
As janelas costumam ser pequenas e ficam acima da cabeça dos presos. Isso, associado ao fato de que as celas são pouco refrigeradas, e as camas geralmente posicionadas uma em frente à outra, favorece a disseminação de doenças. “Em geral, os projetos são feitos com o mínimo de espaço, contrariando a metragens contidas na Lei de Execução Penal, e com uma circulação de 80 cm. Quando as pessoas se levantam, elas se aproximam a uma distância de 20 cm. Então, se alguém está infectado com tuberculose, por exemplo, ele passa para todos os demais na cela. O que temos estudado são maneiras de intercalar as camas, a fim de que quando uma pessoa levantar, não fique de frente com a outra”, conta a profissional.
Mesmo com layout adequado, porém, a superlotação é um dos principais empecilhos para o desenvolvimento da arquitetura prisional no Brasil. “Não existem normas internacionais para determinar a quantidade de presos por cela. Deveria existir o bom senso. Aqui em São Paulo, eu já entrei em uma unidade em que eu contei 60 presos em uma única cela”, diz Marcos Fuchs, advogado e diretor-adjunto da ONG de direitos humanos Conectas. “Enquanto lá fora, existe o princípio do cumprimento de penas em celas individuais. Isso ajuda a manter a ordem, a disciplina, e, dessa forma, todos os riscos são menores”.
Outra diferença com relação ao sistema prisional de outros países é a atenção ao ambiente prisional. Nos presídios dos países nórdicos, por exemplo, Cordeiro destaca o uso de medidas lúdicas mais alegres (ao contrário dos métodos usados aqui), áreas de maiores e mais confortáveis para os presos, e a maior oferta de trabalho. Segundo dados da INFOPEN, no Brasil apenas 15% dos presos no país têm acesso a atividades laborais.
Além disso, a localização dos presídios também tem impacto na arquitetura prisional e no cotidiano dos presidiários. “Nos países com baixas taxas de reincidência, você tem um modelo em que o fórum é próximo da unidade prisional. Ou seja, o juiz e o promotor visitam semanalmente as unidades. […] Aqui, as unidades prisionais são superisoladas. Por isso, você precisa ter escolta, transporte… Fica tudo mais difícil. O juiz não visita, o promotor não visita”, afirma Fuchs.
Os resultados obtidos pelo modelo adotado por países do norte europeu são significativos. A Noruega tem a menor taxa de reincidência do mundo, 20%. Já a Holanda, desde 2013, fechou 19 prisões por falta de presos. No Brasil, existe mais de uma definição para o que seria reincidência e diversos estudos calculam números diferentes, mas, em geral, acredita-se que essa taxa alcance a margem de 70%.
Entretanto, já existem iniciativas nacionais que buscam uma alternativa para o sistema prisional clássico. É o caso das APACs (Associação para Proteção e Assistência aos Condenados), unidades prisionais projetadas para, em média, 200 presos, que não usam uniforme e nem algemas. “Todos circulam pela unidade e todos trabalham. A taxa de reincidência é de menos de 4%. Não tem muro alto, não tem grade. A arquitetura prisional lá funciona: tem alojamento, ventilador, cama limpa. É um lugar agradável, algo raro para uma unidade prisional”, diz Fuchs. As APACs, entretanto, ainda são minoria no Brasil, contando com apenas 50 unidades em todo o país.
Por aqui, a arquitetura penal e arquitetura em geral têm pouco destaque e raramente fazem parte da grade obrigatória nos cursos universitários de Arquitetura e Urbanismo. “Quando você diz que o espaço prisional é um espaço com o qual não devemos nos preocupar, você está segregando uma parte considerável da população. Mas é preciso lembrar que essas pessoas vão voltar para a sociedade e impactar de alguma maneira as nossas vidas”, finaliza a arquiteta.
O fotógrafo André Cepeda, um artista português, sensível à violência com que são tratados os privados de liberdade editou um livro de fotografias abordando um projeto editado pelo Museu Serralves do Porto, onde afirma que é um dos projetos mais importantes e que mais me marcou. Passei três meses na prisão feminina de Santa Cruz do Bispo, no Porto, a convite do Museu de Serralves e com curadoria de Ricardo Nicolau. A partir das conversas que tive com os presos, desenvolvi um texto que serviu de base para a escolha das imagens que foram impressas em vinil transparente e instaladas na ponte dentro do presídio.
Uma ponte sempre tem um significado simbólico e ainda mais neste contexto.
A Ponte – a lembrança, o erro, o fracasso, o abismo, o perdão, o arrependimento, pensando no outro, na família, naqueles que magoamos, nos traumas, farei diferente.
É isso!
Como diz Chekhov, “seremos esquecidos. A vida é assim, nada a fazer.”
O tempo marca nossa passagem.
Os momentos difíceis constroem dentro de nós, dentro de mim, memórias, imagens que não quero esquecer. É importante não esquecer.
Não acredito em palavras, nem em imagens.
Posso confiar neles? Se transformo e manipulo e esqueço e misturo e reconstruo, a realidade dependendo do que sinto.
Preciso sentir,
eu e o mundo.
Quando você vê, você acredita.
A fotografia está ligada à melancolia, à morte.
Desse modo poético e humano o artista pela visão de sua lente fotográfica desnuda para os leitores essas vidas escondidas.
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13- Quem nasceu primeiro o cidadão infrator ou o Estado criminoso? – por Siro Darlan
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.