ADOÇÕES VI – Cadastro Nacional de Adoção – por Siro Darlan e Silvana do Monte  MAZOLA11 horas ago 0  11 min read  23890

Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –

Série Especial: ADOÇÕES – Parte VI.

Garantir a segurança jurídica e dar mais transparência ao processo de adoção de crianças e adolescentes são os principais ganhos registrados pelo Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), bem como a ampliação das possibilidades de encontrar famílias para as 3.967 crianças disponibilizadas à adoção (dados SNA, 21/01/2022). Criado há 14 anos pela Resolução 54/2008 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o SNA hoje integra o CNA Cadastro Nacional de Adoção e o CNCA Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas.

O atual Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), o qual substituiu o anterior Cadastro Nacional de Adoção (CNA), trouxe inovações importantes, dentre elas, a unificação de todas as informações em relação às crianças/adolescentes acolhidos, dando maior controle dos processos e a redução tempo de acolhimento institucional ou familiar.

O SNA busca, também, facilitar a aproximação entre pretendentes e crianças/adolescentes disponíveis à adoção, com mecanismos de pesquisa de crianças e adolescentes e de posicionamento dos habilitados em nível nacional, estadual, na comarca e no órgão julgador.

O manual do SNA está disponibilizado no portal do CNJ – https://www.cnj.jus.br/sna/imgs/Manual%20SNA.pdf -, assim como as pesquisas que podem ser realizadas com e sem senhas – Sistema Nacional de Adoção por Acolhimento.

Atualmente, há 32.914 pretendentes cadastrados e 3.967 crianças e adolescentes disponíveis, enquanto o total de crianças e adolescentes acolhidos é de 29.757. Na última década, mais de doze mil adoções foram realizadas por intermédio do CNA/SNA no Brasil. A partir da implantação do hoje SNA, o número de adoções foi crescente. No primeiro ano de utilização, foram viabilizadas 82 adoções. Já no final de 2018, mais de duas mil adoções tinham sido efetivadas.

O CNA/SNA foi criado com a finalidade de consolidar dados de todas as comarcas do Brasil referentes a crianças e adolescentes disponíveis para adoção, assim como dos pretendentes à adoção que moram no Brasil e no exterior, devidamente habilitados. A resolução também prevê a promoção e o estímulo, pelo Poder Judiciário, de campanhas incentivando a reintegração de crianças e adolescentes à família de origem ou inclusão em família extensa.

A adoção ocorre quando a possibilidade de reintegração é esgotada.

O afeto de uma família tem um poder transformador por essa razão devemos todos lutar pelo direito de toda criança e adolescente viver em família. Para isso o Jornal Tribuna de Imprensa Livre criou essa série para incentivar e promover o acolhimento familiar, a adoção e a convivência familiar e comunitária, com ênfase na Primeira Infância.

Passemos aos depoimentos dos adotados

História de Paula Carvalho

Paula é uma moça esquia, bonita, mas, muito tímida e preferiu que sua mãe, Lucia Carvalho, uma das maiores militantes da causa da adoção e da busca ativa no Brasil, escrevesse por ela.

Minha filha nasceu na Cidade de Rondon do Pará, Estado do Pará, em 6 de maio de 2002.

Com cerca de 1 ano e meio, seu pai biológico fugiu levando-a para a Cidade de Jacundá no sudeste do Para.

O destino de sua mãe biológica é ignorado, tendo o Pai narrado que a mesma conheceu “outro homem” e foi embora.

Com cerca de 2 anos e meio, o Pai biológico desapareceu sendo ela levada para o abrigo da Cidade, onde permaneceu até aos 4 anos e sete meses quando eu a adotei em adoção Monoparental em uma indicação por Busca Ativa.

Minha filha chegou ao Rio de Janeiro em janeiro de 2007, com alguns problemas de saúde devido à desnutrição severa, com a maioria dos dentes comprometidos e sequer conhecendo as cores.

Com empenho dela própria, foi vencendo os desafios clínicos e educacionais, sendo que após 1 ano e meio em casa, se alfabetizou e ficou curada tanto da desnutrição, como dos problemas dentários.

Sempre soube de sua condição de filha por adoção e nunca apresentou sentimento controverso por isso, narrando aos colegas e namorado sua condição sem o menor constrangimento.

Tem conhecimento que o processo dela é pobre de informações por se tratar de Comarca no interior da Região Amazônica, onde todos os ofícios de busca da família biológica voltaram sem resposta.

Hoje, aos 19 anos, cursa a Faculdade de Direito na Universidade Veiga de Almeida no RJ, onde tem bom aproveitamento estudantil.

Espero ter contribuído, colocando-me a disposição para qualquer necessidade.

Relato de Obehi Corrêia

Meu nome é Isabela Obehi Corrêa, mas esse nem sempre foi o meu nome. Veja bem: fui adotada após 4 dias de nascida em fevereiro de 2003, ou seja, por quatro dias eu tive um nome provisório, não tinha morada nem família. Por isso, dizer meu nome em voz alta significa tanto para mim. Representa aqueles que me acolheram e que eu tenho o orgulho de chamar de pais: Deisymar Dolores Corrêa e Henry Ehidiamhen Christopher. Hoje vivo apenas com a minha mãe, mas ambos tiveram e têm papéis importantes na minha vida e formação.

Nunca tive vergonha ou medo de falar sobre a minha adoção porque meus pais sempre foram sinceros comigo e me explicaram tudo desde que eu era criança. Sem dúvidas, às vezes me pego pensando como seria a minha vida se não tivesse sido adotada por essa família ou se nunca tivesse passado pelo sistema de adoção. Imagino como estaria hoje, não porque desejo essa outra vida, mas porque, nem que por um só momento, foi possível. Quem eu seria? Qual seria a minha casa? Como seria essa “outra Isabela”? Entretanto, não me vejo conhecendo minha família de origem nem tenho o desejo no momento. Sendo sincera, não sei dizer ao certo o motivo. Talvez porque esteja bem confortável com a minha realidade atual.

Cresci com uma imagem da minha família, meus tios, tias, primos e primas. As reuniões de família sempre têm um clima de aconchego e acolhimento. Não cheguei a conhecer meus avós, pois os maternos e meu avô paterno infelizmente faleceram antes da minha chegada e minha avó paterna mora longe, mas ainda assim sinto que os conheci pessoalmente.

Na minha escola, sempre fui muito aberta sobre a minha história com meus colegas de classe e professores. Lembro, inclusive, de um trabalho que fiz no 5º ano do ensino fundamental no qual precisava fazer uma linha do tempo e contar a minha história. Me recordo até hoje que minha professora e meus colegas da época ficaram fascinados com esse relato. Embora lisonjeada, hoje isso me faz refletir sobre a abordagem midiática acerca da adoção. Há uma crescente romantização do processo que, embora lindo, conta com dificuldades tanto para os que desejam adotar quanto para os que desejam um lar.

É um processo demorado, árduo e muitos começam a perder a fé e a esperança. Além disso, a preferência dos pais em espera é recém-nascidos ou o mais próximo disso possível. Embora compreensível, milhares de crianças um pouco mais velhas passam anos nesse sistema até atingirem a maioridade. E depois? E os que entram e saem do programa? Essa parte é pouco discutida e há pouquíssimo foco acerca disso. Por conta da falta de discussões, é tão importante encontrar outras pessoas que foram adotadas. Formar essa rede de apoio e compartilhamento de vivências é essencial, pois acho que promove uma sensação de reconhecimento.

Acredito que uma rede de suporte para os pais que desejam adotar também é essencial. A espera gera uma mistura de emoções: alegria, expectativas, angústia, frustrações e esperança. Conversar com outros que passaram e passam por essa situação pode ajudar de diversas maneiras e incentivar a seguir nessa jornada, por mais estressante que seja. Por enquanto ainda é cedo para poder me colocar no lugar de uma mãe, mas, pelo que vi e senti, cuidar de uma criança é transformador. Requer amor, coragem e uma paciência “de jó” como dizem por aí… Mas vale a pena! Cada segundo e eu posso afirmar isso com toda a certeza. Não conheço minha mãe biológica nem sua história, mas acredito que me “dar” para adoção tenha sido uma decisão difícil. Difícil, mas necessária para me proporcionar a melhor vida que eu pudesse ter. Me conforta saber que a estou vivendo nesse exato momento. Tudo isso me apresentou o amor em sua forma mais pura e todo dia agradeço por isso.

Relato sobre Maria Eduarda

Maria Eduarda nasceu pra nós aos 6 meses de idade, mas a história dela e nossa espera por sua chegada começou bem antes… Demos entrada no processo de habilitação em setembro de 2013, fomos habilitados em outubro de 2015 devido à pouca quantidade de agentes da equipe técnica do fórum.

Alguns diriam que foi muito tempo, nós dissemos isso na época, mas foi o tempo certo para conhecermos o universo da adoção, as crianças reais e com isso abrirmos nosso perfil. No mesmo mês que nos habilitamos nossa filha nasceu e nós nem fazíamos ideia…

Maria Eduarda nasceu de um parto difícil, com genitora embriagada que fora encaminhada à maternidade pelo SAMUR pois estava em um bar passando mal. Estava bolsa rota de quase 1 semana, bebê em sofrimento. Nossa pequena nasceu com 30 semanas, prematura extrema, pesando 610g. Além da prematuridade e baixíssimo peso, também tinha baixa estatura e feições diferentes de um bebê típico.

Ela foi deixada na maternidade pela genitora sem nunca ter recebido uma visita. Ficou 3 meses na UTI neo Natal até ser abrigada. Maria Eduarda tinha a suspeita de uma síndrome pouco conhecida, SAF (síndrome do álcool fetal). Mais tarde, aos 8 meses fechamos diagnóstico exatamente nessa síndrome. Duda, como a chamamos, chegou pra nós com muitos nãos, muitas incertezas, muitos “isso talvez ela não faça “.

Tínhamos motivos de sobra, pelo que falavam, para não trazer nossa filha pra casa, mas já era nossa filha desde o primeiro olhar e jamais a deixaríamos no abrigo. Trouxemos Duda para casa no dia do nosso primeiro encontro, 12/04/16 e essa foi a decisão mais acertada de nossas vidas. Foi uma festa a chegada da Duda em casa.

Apesar da família está um pouco receosa com o que Duda poderia ter, o coração de todos transbordava amor e ela foi recebida com uma linda festa surpresa. Balões, flores, enfeites da porta do prédio até nosso apartamento. E ali, naquele momento era constituída nossa família tão desejada.

Seguimos com exames para diagnóstico e aos 8 meses de vida da Duda deu-se a conclusão: portadora de SAF, microcefalia por uma redução cerebelar, miocardiopatia dilata, dimpo sem fundo na medula, má formação óssea com a falta do cóccix deformidade em uma das orelhas e todas as feições típicas que a síndrome pode apresentar.

Arregaçamos as mangas e intensificamos as terapias que ela já fazia mesmo sem diagnóstico Fono, terapia ocupacional, fisioterapia motora, pilates, musicoterapia, psicóloga, hidroterapia e todos os estímulos possíveis em casa sempre cercados de muito amor. E assim ela foi e vem evoluindo, tirando os nãos do caminho e conquistando a cada dia mais coisas.

A bebê que talvez não fosse andar, hoje corre, faz ginástica artística, nada e dança livremente. A menina que não iria falar, fala tanto que as vezes precisamos pedir pra silenciar. Pensa que ela fica só em nosso idioma?? Claro que não, isso é pouco pra ela. Já iniciou o inglês e fala com boa fluência algumas palavras sabendo o significado. A bebê que provavelmente não seria alfabetizada devido ao baixo nível cognitivo que a síndrome oferece, se formará dia 11/12/21 na educação infantil.

Vai iniciar o primeiro ano fundamental com uma boa consciência fonológica, reconhecendo e nomeando todo alfabeto e lendo palavras simples. Ainda tem muitas dificuldades, a escrita é uma delas devido à dificuldade motora fina, mas ela está indo. A escola e a terapia fazem adaptações, utilizando a escrita em computador e ela segue evoluindo. Já consegue escrever MARIA e isso nos deixa muito feliz. Ela é feliz e isso é o que mais importa pra nós. Maria Eduarda sabe que nasceu do coração, sabe que tem SAF e sabe de todas as dificuldades que a síndrome pode trazer, mas ela sabe também que estamos juntos e que ela poderá tudo que quiser pois estímulo nunca irá faltar.

Leia também:

Dia 11 estreia a série “Adoções”

ADOÇÕES I – Família Harrad Reis

ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária

ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado

ADOÇÕES IV – Condições para adoção

ADOÇÕES V – O processo de adoção

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv