COLUNISTAS, POLÍTICAÁfrica à vista – por Siro Darlan MAZOLA, 12 horas ago 0 5 min read 22231
Por Siro Darlan –
Depois de trazer da África 12.521.337 seres humanos para construir com seu trabalho e sofrimento a América invadida pelos europeus e tomada dos povos originários, a elite que comanda a sociedade, e que nunca mudou de mãos, tenta esconder os negros na periferia, nas favelas e nas prisões. Ignora seus direitos e sua cultura, mesmo depois de cinco séculos de convivência sempre com o olhar de colono explorador e uma psedo superioridade.
Havia sido marcada uma tradicional festa de brancos. A posse da nova administração do Tribunal de Justiça, onde tradicionalmente o negro não veste toga, mas está sempre nos bancos dos réus. Diante da promessa de uma nova postura social, entendi, como membro da CEVEN – Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil, que estava na hora de apresentar os negros e negras, convidando-os para essa festa de nobres. Achei que minha condição de desembargador autorizaria convidar qualquer pessoa para uma posse pública e republicana.
Aceito o convite, chegaram os convidados e forma destinados a um “gueto” onde assistiriam a cerimônia por um telão. Ora algumas senhoras tinham vindo de mais de 200 quilômetros e me procuraram dizendo para assistir desse lugar teria ficado em casa. O próprio cerimonial, diante das cadeiras vazias no salão principal fez o convite para que todos ocupassem os lugares vagos, como eu também o fiz.
Os convidados felizes em poder prestigiar o evento inédito para todos e todas estavam felizes e acharam por bem exibir silenciosamente pequenos cartazes com frases conhecidas da própria Comissão: Onde estão os juízes negros? Respeito ás tradições africanas. Pelo fim da perseguição ás religiões africanas. Mas, seguindo a tradição do racismo estrutural, onde estavam os negros e negras, postaram-se os seguranças e logo as senhoras, as mais negras, foram atacadas pelos seguranças, restando duas feridas.
Sai de minha cadeira e fui até o local para restabelecer a paz, o que ocorreu com minha chegada. Em paz todos permaneceram até se confraternizaram com os eleito e empossados participando do coquetel oferecido pelos novos administradores.
Dias depois fui surpreendido por mais um processo administrativo no CNJ em razão do convite que fizera aos irmãos negros, e estou no pelourinho para levar minha chibatadas.
Contudo, “Valeu o sacrifício dos Andradas. E as preces da princesa Leopoldina. A morte de Tiradentes não foi em vão. São hoje símbolos vivos de nossa nação.” E o Presidente do Tribunal, o mesmo que representou contra mim, aceitou o convite para visitar o Instituto Pretos Novos, um espaço de resgate da cultura dos afrodescendentes que recomendo.
E o Presidente se rendeu e disse:
“Uma visita que reviveu um capítulo triste da história e que jamais poderá se repetir. Saio daqui com um sentimento e a certeza de que temos que, diariamente, dizer e fazer com que todos sejamos iguais, porque somos! Essa foi uma das visitas mais importantes e emocionantes da minha vida”. Com essas palavras, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, exprimiu o sentimento que o marcou durante a visita ao Instituto dos Pretos Novos (IPN), na Gamboa, Zona Central da cidade, na manhã desta quinta-feira (18/5). (Reproduzido do site do TJRJ)
Disse mais o emocionado Presidente:
“Hoje saio daqui certo da necessidade de resgatarmos tudo que a sociedade brasileira fez para um povo sofrido, negro que chegou ao Brasil. E temos que minorar as desigualdades sociais impostas a sociedade negra. Por isso, vamos ampliar a parceria que com o Instituto Pretos Novos tem com o tribunal. Vamos colocar a gráfica do TJRJ à disposição, assim como o laboratório de Restauro do Museu da Justiça e vamos estimular a visita dos nossos servidores e magistrados também”.
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O ilustre Presidente emocionado confessa que não conhecia essa realidade e manifesta sua surpresa e emoção e com sensibilidade se compromete com o resgate da história do povo negro. E ainda fez publicar no site do Tribunal de Justiça a Cartilha com informações sobre os Direitos dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
Esse episódio me emociona e deixa o sentimento do dever cumprido. Sem qualquer comparação, Mahatma Gandhi foi preso diversas vezes, perseguido, tentaram mata-lo diversas vezes e calar sua voz, até que conseguiram, mas sua herança foi deixar uma Índia livre e próspera. Nelson Mandela ficou preso 27 anos, saiu perdoando seus torturadores e consagrou-se ao pôr fim ao regime de segregação racial, lutando pela igualdade racial na África do Sul. Martin Luther King dedicou sua vida denunciando a opressão contra os negros e negras norte americanos e lutando contra a segregação racial.
Portanto, estar no Pelourinho na defesa de tantos que sofreram essa violência desumana só engrandece nossa luta.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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