As avós da Praça de Maio – por Siro Darlan

Organização argentina celebra descoberta do paradeiro de filho de Cristina Navajas, sequestrada pela ditatura militar em 1976, e Julio Santucho, ambos militantes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores. Miguel Santucho, de barba e camisa branca, e Estela de Carlotto, à direita, com o microfone. (Twitter/abuelasdifusion)COLUNISTASPOLÍTICAAs avós da Praça de Maio – por Siro Darlan  MAZOLA8 horas ago 0  5 min read  21867

Por Siro Darlan –

A ditadura argentina deixou marcas de crueldade no povo irmão.

Diversas crianças foram sequestradas pelo regime militar e suas mães e avós lutam até hoje para reencontrá-los. As avós da Praça de Maio têm sido incansáveis nessa luta e no mês de julho alcançaram mais uma vitória ao encontrar 133ª criança dentre as que foram sequestrada e perderam suas identidades.

O neto encontrado é filho de Cristina Navajas e Julio Santucho, e neto de Nélida Navajas (falecida em maio de 2012). Ele foi notificado de sua identidade no mês de julho pela Comissão Nacional do Direito à Identidade (Conadi) e já se encontrou com seu pai e seus dois irmãos.

A família que o procurava há tantos anos está radiante e seu irmão Miguel expressou assim seu contentamento: “Desde o primeiro minuto ele expressou o desejo de nos conhecer. Ele estava nos procurando, e obviamente está feliz e surpreso com a magnitude do que encontrou”. “(Ele) é muito parecido, é um Santucho. É claro que temos feições, sorrisos, formas… E (o gosto) futebolístico também – é um ‘bostero’ (torcedor do Boca Juniors) como eu’, disse Miguel.

“O trabalho mais aprofundado foi feito pela Conadi, que foi criada a pedido das Avós no ano de 92 para que o Estado participasse da tarefa de restituição dos netos, pois o Estado move todo o mundo que as avós não podem mover”, disse a presidente da associação, Estela de Carlotto.

Cristina Navajas tinha 26 anos quando foi sequestrada por uma quadrilha do Exército argentino, em 13 de julho de 1976. Ela era professora e foi na universidade onde Cristina conheceu Júlio Santucho, irmão de Mario Roberto Santucho – um dos principais líderes do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT) e do Exército Popular Revolucionário (ERP).

O casal, que era integrado à PRT, teve dois filhos – que testemunharam o sequestro de Cristina na casa de sua cunhada, onde estava com outra colega de militância, Alicia Raquel D’Ambra. Cristina e Alicia foram levadas grávidas.

As três mulheres foram sequestradas pelos militares, que deixaram as crianças sozinhas no apartamento. Nélida soube do ocorrido por meio de uma vizinha, mas ninguém a socorreu.

Ao lado de seu filho mais novo, Nélida foi procurar seus netos e, da entrada do apartamento, ouvia seus gritos e choros. Lá, ela também encontrou uma carteira que continha uma carta que Cristina não enviou a Julio, onde citava estar convencida de que estava grávida.

“Mais tarde, por meio de depoimentos de sobreviventes, (Nélida) pôde confirmar que a gravidez de Cristina continuava seu curso”, afirma comunicado lido pelas Abuelas na entrevista coletiva que anunciou o encontro do neto 133.

Celebração

Co-fundadora das Mães da Praça de Maio, Hebe de Bonafini. (Reprodução/Centro Cultural Kirchner)

A coletiva para anunciar o encontro do neto 133 buscou homenagear o legado de Nélida Navajas “e todas as avós que nunca perderam a esperança de encontrar seus entes queridos – e, claro, honramos nossas filhas”.

“Continuaremos procurando o filho de Alicia D’Ambra, o de Liliana Delfino e todas as netas e netos desaparecidos. Porque cada restituição é um ato de reparação para as famílias, de verdade e justiça para a sociedade e de memória para as gerações futuras”, diz a associação.

Cada neto encontrado “é a reafirmação de que a sociedade argentina decide não esquecer e apoiar as políticas públicas que permitem conhecer a verdade sobre o que aconteceu durante a última ditadura cívico-militar”, ressaltam as avós, lembrando que as restituições “revelam o valor da vida democrática, dos direitos conquistados e das liberdades conquistadas”.

“Entre todos nós, todos os dias, devemos defender, sustentar e garantir a nossa democracia, erradicando o ódio, a negação, a construção do outro como inimigo, e colocando no horizonte o amor e o bem comum. Bem-vindo querido neto, você é um triunfo da nossa democracia!”.

No Brasil não foi diferente durante a ditadura militar, assim como continua até hoje. Segundo o Fórum de Segurança Pública, entre 2019 a 2021, mais de 200 mil pessoas desapareceram, o que dá uma média diária 183 desaparecimentos por dia. Afirmam os especialistas que o número pode ainda ser maior porque o Brasil não conta com um cadastro nacional para contabilizar os casos. Por outro lado a taxa de reencontro, apenas 16%, são muito menores, quer dizer não se consegue dimensionar o número efetivo de desaparecidos.

Desse total de desaparecidos 30% foram crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos e as causas apontadas são desde o envolvimento com algum tipo de crime, e acaba sequestrado, vítima de trabalho escravo ou exploração sexual até casos de desaparecimentos voluntários em que o adolescente sai de casa por maus-tratos ou desavenças familiares.

O levantamento informou ainda que são do sexo masculino 63% dos casos, de negros 54%. São majoritariamente homens, jovens, negros e pardos, muitos dos quais em situação de extrema vulnerabilidade, muitos deles somente encontrados em valas clandestinas ou cemitérios, já mortos. A Lei da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas de 2019 prevê a criação de um cadastro nacional que ainda não está implementado.

Precisamos criar as Avós da Praça Brasil para recuperar nossos entes desaparecidos.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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