COLUNISTAS, ESPECIAL, JUSTIÇA, POLÍTICASÉRIE ESPECIAL: “Bandido bom é bandido morto” – por Siro Darlan MAZOLA, 10 horas ago 0 9 min read 22146
Por Siro Darlan –
Série Presídios VII.
O distanciamento em relação às pessoas presas não passa de uma metalinguagem do que ocorre todos os dias em nosso país. Isolada atrás dos muros, a população prisional luta pela sobrevivência sem qualquer direito garantido e, não raro, adoece e morre.
Pessoas presas são citadas quando convém, demonizadas, num debate sem nenhuma profundidade para logo depois serem esquecidas ao longo dos anos por uma sociedade excludente e egoísta que não dá espaço para debater sobre o desencarceramento, tema que deveria fazer parte de debates e propostas na academia, no judiciário e no parlamento. Ao publicar essa série, a Tribuna de Imprensa Livre pretende preencher essa lacuna, dando voz aos aprisionados do sistema carcerário, mais conhecido como Navio Negreiro, tamanha a representatividade do racismo estrutural.
Hoje a palavra está com M.S., uma mente aprisionada porque o perigo está no seu pensamento e no seu discurso.
“Quem vigia os vigilantes? Esta é uma temática muito comum nas obras do escritor inglês Alan Moore, se utilizando de cenários utópicos ele nos apresenta um tema pertinente a nossa realidade, quem vigia a SEAP? Quem vigia a VEP? Na teoria, isto é, na lei, tudo é lindo, todos os órgãos se complementam, mas na prática o show de arbitrariedades reina. Nunca foi tão exposta a falha da polícia e do judiciário nas prisões escandalosas de inocentes por identificação por fotos, para quem já foi sentenciado e está no sistema penitenciário a realidade seria qual? Sem voz, sem direitos, companheiros de cárcere sendo transferidos para Bangu 1 em Regime Disciplinar Diferenciado sem uma infração ou falta disciplinar, sob o domínio de uma Secretaria de Administração Penitenciária que tem como ideologia Bolsonarista a erradicação do outro.
Há alguns meses o nosso direito de não alienação por meio de informação via TV nos foi retirada, motivo? A SEAP com sua falta de estrutura e “segurança” no presídio Lemos Brito, uma penitenciária de segurança máxima, teve sua falha de segurança explorada por 3 presos, estes usaram cordas para fugir, típico de filmes pastelões dos anos 20. Foi imposta então uma “MEDIDA DE SEGURANÇA”, nesta medida levaram galões de água, TVs, rádios, suspenderam as visitas e visitas íntimas.
O Estado nada oferece para o apenado, não dá uma pasta de dente, um desodorante, um sabão em pó, um presto barba, como então que TVs e rádios entram no Presídio? A família do detento, normalmente pobre, compra uma TV ou rádio e coloca esses eletrônicos por meio de custódia, um levantamento interno feito pelos próprios presos, já que as falhas da SEAP não são apenas de segurança, mas também administrativas, chegou à conclusão que existiam em média 130 tvs e cerca de 75 rádios só na Lemos Brito. Estes eletrônicos não foram comprados pelo Estado, não foram doados por milionários ociosos em suas mansões, foram comprados pela família do detento. Já que a medida era, não riam, de SEGURANÇA, no mínimo no fim da tal medida os eletrônicos deveriam ser devolvidos aos seus donos não é? Não foi, apenas 1/3 de todo material foi devolvido, e a pergunta é: Que fim levou todo resto? Ninguém sabe ninguém viu. Quem vigia os vigilantes?
Para além disto, aqui na Lemos Brito temos três modos de Regime em uma penitenciária só, temos os CUSTODIADOS que são presos provisórios aguardando sentença, temos os SETENCIADOS que aguardam sua pena para irem para o SEMIABERTO, e temos o regime de SEMIABERTO, o regime semiaberto é uma vergonha, nos negam recreação, nos colocando em um convívio estressante que nada se parece com o regime que a LEI diz, quem vigia os vigilantes?
Nos empurram goela abaixo uma alimentação que não se oferece nem a porcos, quem vigia os vigilantes? Negam benefícios previstos em Lei como VPF e EXTRAMURUS com justificativas descabidas e preconceituosas, quem vigia os vigilantes? Nos punem pelas mesmas faltas disciplinares duas ou três vezes, quem vigia os vigilantes? Retiram de nós o serviço social, colocando o atendimento aos nossos familiares por telefones e e-mails que nunca funcionam, quem vigia os vigilantes?
E depois disso eles seguem suas vidas preparando suas próximas ações, o apenado e seu trabalho são suas últimas preocupações. Policiais penais, defensores públicos, juízes, desembargadores e ministros que se preocupam em agir conforme a lei são acusados por seus pares de serem “pró-bandidos”, ora a lei é “pró-bandido”? Estar sob a custódia do Estado é estar desamparado, a população bem o sabe, quem depende de serviços públicos sente na pele o desamparo das autoridades, hospitais lotados, escolas sem professores, serviços burocráticos que não funcionam, imagina a família do apenado que ao exigir a lei é alvo constante de piadas e instigações morais por parte dos servidores.
Outra Terra de Ninguém é o trabalho EXTRAMURUS, a realidade do nosso país não é levada em consideração em momento algum, a CEDAE não suporta a demanda de presos que pedem oportunidade, e um país com 14% de desempregados a burocracia para se conseguir uma carta de emprego é incrível, coloquemos uma realidade onde milhares de CNPJ por via de MEIs são criados diariamente, esses MEIs querendo ajudar são olhados discriminadamente por parte do judiciário na hora de oferecer para o apenado uma condição real de emprego. Um apenado como eu que tem uma profissão, não pode se utilizar do seu próprio CNPJ para ir a sua luta diária no mantimento da sua família e na busca pela sua dignidade, o absurdo aqui é o norte da nossa realidade brasileira, cabe então a família do interno se humilhar junto a RHs lotados de currículos uma oportunidade, estamos sob qual custódia do Estado? Qual a responsabilidade dele na reinserção social? Quem vigia os vigilantes?
Falei da luta para se conseguir uma carta de emprego, mas que emprego procurar? O preso vive uma vida de ócio no sistema prisional, de nenhuma forma o Estado vê o emprego como uma ferramenta fundamental para a ressocialização, a Escola no sistema prisional é um Oasis, suas funções em muito extrapolam a sua real responsabilidade, é um trabalho hercúleo que professores e diretores de escolas prisionais fazem. O SENAC desapareceu do sistema, e as parcerias público-privadas não funcionam, e porque não funcionam?
Não há interesse real no Estado para a ressocialização do preso, educação e trabalho são apenas argumentos que floreiam os discursos humanistas e jurídicos, na realidade a preparação para a ressocialização do apenado é de responsabilidade do próprio apenado, ele tem que se capacitar (mesmo estando preso) para o mercado, ele tem que correr atrás de um emprego (mesmo estando preso), o preso cuida de si e o Estado nada cuida. O que faz um homem preso há 10 anos? 3650 dias de ócio, maquinando um futuro, um futuro que não construído no presente vira fracasso e pesadelo nesse futuro que ele tanto sonhou, ganhando sua liberdade que mercado ele encontrará? Que função ele fará? O que o Estado faz para atualizá-lo? E o judiciário, o que pensa disso?
“Todo ócio tem que ser criativo” disse um filósofo, é imperativo que ocupemos o indivíduo preso com ferramentas criativas que expandam seu intelecto e suas capacidades, é imperativo um olhar diferenciado para a capacitação profissional do homem preso, devemos abrir caminhos para que todos possam trilhar. Mas quem fará isso? Quem se interessaria pela perda de receita na manutenção exorbitante do indivíduo preso?
O poder que emana do povo é manipulado, ao invés de olharmos o ser humano transformado em bicho por uma sociedade cada vez mais desigual, vemos como produtos de guerra, a falácia da guerra ao crime, mídia e políticos unidos na exploração da narrativa da guerra, somos então os “inimigos da sociedade” monstros, os inimigos que devem ser combatidos e aniquilados, prisioneiros de guerra em Guantánamo, causa e não efeito da violência , sujeitos a todas as arbitrariedades, subjugados por um sistema penitenciário potencializado por uma ideologia Bolsonarista do ódio, tratados por um Estado Paternalista como filhos Bastardos. Por M.S.”
Após ouvir M.S. cabe uma reflexão: aquelas pessoas que clamam que “bandido bom é bandido morto” ao serem aprisionadas por supostos delitos praticados em 8 de janeiro contra o Estado democrático de direito, ao experimentarem o cárcere, passaram a clamar por direitos e sobretudo direitos humanos.
Tem razão M.S. em seus questionamentos. A Corte Interamericana de Direitos Humanos acaba de decretar medidas provisórias e determinar ao Estado brasileiro providências imediatas para “proteger eficazmente a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à água e à alimentação” dos presos da unidade do Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão, na Zona Central do Rio de Janeiro por superlotação, 50 mortes não especificadas, falta de assistência médica adequada e precariedade das instalações.
Quem vigia os vigilantes?
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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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