Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.
O maniqueísmo moderno presente nas redes sociais com uma força nunca antes testemunhada deve conduzir a reflexões para aprender a conviver com essas diferenças sem se deixar levar pela linguagem do ódio, mas exercitando a caridade cristã de compreensão e acolhimento dos diferentes. Os fake news ou noticias falsas adquiriram essa nomenclatura modernamente com o advento das redes sociais, mas sempre estiveram presentes nas intrigas do mundo político e social.
Refletindo sobre o que nos leva a tratar as mulheres como seres inferiores, quando são nossas parceiras desde a criação e procriação, portanto credoras da mesma dignidade que só as culturas machistas e patriarcais foram capazes de criar essa fake news, anotei que já no primeiro encontro com o Criador, após o pecado original, o Homem procurou defender-se, covardemente, e desmerecer sua companheira atribuído a ela a fraqueza de não resistir a tentação e sucumbir diante das propostas “comer a maçã”, criando assim o histórico primeiro fake news.
Hoje, o fundamentalismo exploratório tem se valido da falta de conhecimento e informações dos fiéis para criar situações de submissão a uma falsa autoridade que os submete à renúncia de sua autonomia para seguir cegamente seus pastores midiáticos. Essa cegueira de que nos escreve José Saramago tem atingido diversas categorias do conhecimento, com uma presença muito marcante no judiciário que deixou de lado sua tarefa primordial, e que lhe outorgou uma respeitabilidade e autoridade, de interpretar e aplicar a Constituição e as leis para assumir papéis que não lhes são conferidos pela Constituição de agentes políticos partidários, ora assumindo um lado político, ora assumindo outro, e o mais grave, o de agente de segurança pública que faz com que magistrados assumam o papel ora de vingador da sociedade, ora de fiador da segurança pública.
Fausto hoje teria um espaço privilegiado nessa quadra da história, na qual tantos tem feito negócios com o Demo em detrimento de seus ideais, ou até na busca de realizações pessoais em detrimento do bem comum coletivo. Jose Saramago afirma que a cegueira do homem moderno veio quando ele cerrou os punhos e arregalou as pálpebras, crispando os outros com todo o seu ódio. O antidoto para esse estado de beligerância que põe armas nas mãos dos cidadãos e cidadãs é a reflexão para nossas limitações humanas, o que nos iguala a todos trazendo-nos de volta ao mesmo patamar, até esse hoje negado de nossa humanidade em comum. Dessa forma poderemos identificar nossa igualdade humana em meio a todas as nossas diferenças.
A proposta do projeto Filosofia na praia que a cada 15 dias acontece na Praia do Leme tem sido um alento crescente em número e qualidade quando cariocas se reúnem desinteressadamente para trocarem gratuitamente um toque de amor e sabedoria trazendo-nos preciosidades e belezas tão antigas e pouco contempladas nos dias atuais como a palavra dos filósofos quando afirmam nas palavras de Santo Agostinho: “Não é contínua tentação a vida do homem sobre a terra? Quem quer aborrecimentos e dificuldades? Mandas que os suportemos, e não que os amemos. Ninguém ama o que tolera, ainda que goste de o tolerar; e mesmo que alguém se alegre em tolerar, preferiria nada ter que suportar. Na adversidade, desejo a prosperidade, e na prosperidade temo a adversidade. Entre esses dois extremos, qual será o termo médio onde a vida humana não seja tentação? “