Bondade versus ódio.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.

 

 

As redes sociais estão repletas de mensagens de ódio e de amor. As primeiras mostram pessoas infelizes que não suportam opiniões divergentes e se envenenam com o ódio aos semelhantes e suas opiniões divergentes. Do outro lado pessoas se esforçam para superar os atropelos naturais na existência de qualquer ser humano e preferem dar graças pela vida que nos há dado tanto com tão bem cantavam Mercedes Sosa e Violeta Parra.

O neuropsicólogo Richard Davidson, pesquisador na área de neurociência afetiva afirma que “A base de um cérebro saudável é a bondade, e pode-se treinar isso”. Essa afirmação de um especialista é um desafio a todos nós que cultivamos o ódio a nossos semelhantes, passados mais de XX séculos da mudança de paradigma, quando vigia lei do Talião e a Palavra de ordem passou a ser amar aos semelhantes. Ora se podemos treinar optar pela bondade, a hora é essa.

Exemplos não nos faltam para perseguir. Um humilde morador da zona oeste do Rio de Janeiro foi “reconhecido” apressadamente e de forma irregular como sendo o autor de um bárbaro homicídio. Passou dias numa cela amargando uma acusação injusta e sofrendo por um fato que não praticou. A revolta mesmo dentro da cela era grande, mas foi dentre aqueles onde menos se espera que o jovem ganhou espaço de proteção. Os companheiros de cela, mais atentos do que o juiz de custódia, que envolvido pelo ambiente de ódio coletivo, coonestou uma prisão injusta, vislumbraram naquele jovem uma aura de honestidade e inocência e o protegeram do tradicional “esculacho” nos novatos que entram nas famigeradas celas.

Esse jovem, após um calvário perseguido por seus familiares, com destaque para o seu pai, que conhecendo o filho que educou, apostou na inocência dele e provou. Saiu da prisão e encontro a mãe da vítima, sofrida com a perda do filho, que o “reconhecera” seguindo o ritual oficialmente assumido e não levou ódio nem rancor, mas prestou sua solidariedade pela perda de outro jovem vítima da violência. Esse jovem é um exemplo de bondade cultivada na família e treinada apesar de todas as adversidades.

Como afirma o Professor Davidson é possível treinar o cérebro para a prática da bondade e devemos começar a fazer no ambiente onde, em tese, impera a maldade, ou seja, nos presídios. Se na verdade desejam a recuperação daqueles que fizeram mal aos semelhantes, a melhor resposta e mais efetiva, será levar as práticas do bem a essas pessoas. Dalai Lama sugere que as pesquisas neurocientíficas devem focar mais a gentileza, a ternura e a compaixão.

 

Não é sem motivo que um Profeta, tido por muitos como louco, espalhou nessa cidade tomada pela violência poesias em forma de Gentileza. Muitos de nós que passamos pelas ruas da cidade elemos os seus escritos somos tomados por um deseja de praticar a gentileza e nos emocionamos com a ternura de suas mensagens. Está na hora de plantar amor nos corações, ainda que muitos rejeitem essas sementes porque gentileza gera gentileza. Desse modo estaremos praticando também a empatia para melhor compreender que sentimentos estão presentes naqueles com os quais nos relacionamos, e assim podermos praticar a compaixão que tem o poder de aliviar os sofrimentos.

A cooperação e a amabilidade são qualidades inatas a todo ser humano, mas precisamos cultivá-las. Nesse momento de dor que vivemos com a perda estúpida de tantas vidas em Brumadinho, enquanto ficamos paralisados criticando e procurando culpados a juíza Simone Ferraz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, arregaçou as mangas e deixando temporariamente seus processos, seguiu como voluntária para socorrer as vítimas e familiares de Brumadinho. Não é a primeira vez que ela pratica a cooperação e a amabilidade. Já prestou socorro às vítimas de Petrópolis, do Morro do Bumba e em outros diversos desastres. Esse é um exemplo que pode fazer florescer em nosso meio a bondade e o bem-estar social.