Imagens ilustrativasDESTAQUES, ESPECIALADOÇÕES IV – Condições para adoção – por Siro Darlan e Silvana do Monte MAZOLA, 2 dias ago 0 12 min read 23109
Por Siro Darlan e Silvana do Monte Moreira –
Série Especial: ADOÇÕES – Parte IV.
Esta série do Jornal Tribuna de Imprensa Livre busca esclarecer algumas dúvidas comuns a quem pretende adotar uma criança ou um adolescente. Outras informações podem ser obtidas nas Promotorias de Justiça da Criança e do Adolescente ou junto às Varas da Infância e Juventude.
É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 da Lei 8069/90.
Podem ser adotadas crianças e adolescentes com idade até 18 anos, cujos pais são falecidos ou concordaram com a adoção e que tiverem sido destituídos do poder familiar. Crianças e adolescentes aptos para adoção são atendidos pela Justiça da Infância e da Juventude e vivem em unidades de acolhimento até que sejam colocadas em família substituta (que além da adoção, pode ocorrer por meio da tutela ou guarda) ou completem a maioridade. Maiores de 18 anos também podem ser adotados. No entanto, a adoção de adultos é regida pelo Código Civil e julgada pelo Juízo Cível.
Além de ter idade acima de 18 anos, o pretendente deve possuir idoneidade moral e motivação idônea para a adoção. A lei também prevê a frequência a curso preparatório para adoção, onde serão prestados esclarecimentos e efetuadas as avaliações correspondentes, que definirão se a pessoa está apta ou inapta a adotar.
Todos os interessados devem, primeiro, amadurecer a ideia, tendo a consciência de que a adoção atribui ao adotado a condição de filho, em absoluta igualdade de condições em relação aos filhos biológicos (se houver). A partir desta decisão, os pretendentes devem procurar a Vara da Infância e da Juventude ou a Promotoria de Justiça no Fórum.
Não há necessidade de contratar advogado. Na Vara da Infância e da Juventude, os pretendentes serão orientados e deverão preencher requerimento específico, voltado à sua habilitação à adoção. Será necessário juntar documentos que comprovem a idoneidade moral dos pretendentes, assim como frequentar um curso preparatório para a adoção, oferecido gratuitamente pelo Poder Judiciário. Os interessados terão, ainda, de se submeter a uma avaliação técnica, que demonstrará se eles possuem os requisitos exigidos por lei para a adoção.
Uma vez deferida a habilitação, o pretendente terá seu nome inscrito no cadastro respectivo existente na comarca, assim como no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e será chamado a adotar de acordo com ordem de inscrição, considerado ainda o “perfil” eventualmente indicado em relação à criança/adolescente que pretende adotar. Quanto menos exigências houver no que diz respeito ao referido “perfil” do adotando, mais fácil e rápida será a adoção.
Agora vamos ouvir a voz dos adotados e suas experiências:
Anna Júlia Costa dos Santos
12 anos, mora em Cascadura
Quando você foi adotada? Dia 22 de dezembro se 2015.
Porque estava acolhida? Por que minha antiga vó me deixou.
Como é a sua família? Muito boa, e divertida.
O que você entende que mudou na sua vida com a adoção? Mudou tudo.
Escreva sobre você hoje, quem é você e o que a adoção representa na sua vida. Hoje eu sou a Anna Júlia Costa dos Santos, tenho 12 anos, minha vida ficou muito melhor pois antes eu não tinha comida mas agora eu tenho, e a adoção me fez mudar de escola, de nome e de vida.
Christofer da Silva Barbosa
Adotado com 11 anos e hoje com 20 anos
Meu nome é Carlos Renato da Silva Barbosa, tenho 52 anos, solteiro, residente no Rio de Janeiro. Adotei o meu filho Christofer quando ele tinha 11 anos e 6 meses, isso aconteceu há 9 anos atrás, em 2012. Foi uma adoção unilateral.
Christofer morou com a mãe até os nove anos, mais ou menos, e fugiu de casa depois de muitos maus tratos por parte da mãe e de uma condição de vida muito sofrida. Pelo que sei, ficou na rua um período, não sei dizer ao certo e devido a um acidente em que quebrou o braço foi parar num pronto socorro e de lá foi encaminhado para um abrigo de menores. No abrigo a mãe foi localizada, foi até lá, mas disse que não queria mais ele devido ser um menino “complicado”. Ele ficou no abrigo então até o período em que o conheci pelo programa de apadrinhamento afetivo no qual eu participei através da Vara da Infância de Madureira.
Entrei nesse programa de Apadrinhamento Afetivo a pedido da Advogada Silvana Monteiro enquanto minha habilitação estava em tramites. Nesse processo o menino Christofer me foi indicado. Fui até o abrigo Servos da Restauração em Marechal Hermes, o conheci e imediatamente comecei o apadrinhamento que durou uns 4 meses (julho a outubro de 2011). Nesse período eu o pegava de 15 em 15 dias nos finais de semana e cheguei a pegar ele nas férias do meio do ano, no início do processo. No final desses 4 meses, fui informado que ele faria 12 anos em dezembro, e com isso se eu não tivesse interesse em adota-lo ele iria para um abrigo de maiores. Como eu já o conhecia bem, e ele já conhecia minha rotina e meus familiares e amigos, resolvi adotá-lo. Lembro-me bem que minha resposta a advogada foi:
“Dra. Silvana, não tira o meu filho, segue com o processo de adoção.”
Assim em dezembro, no final do ano letivo escolar, ele já veio morar comigo e um ano após o processo de adoção concluído, já estava com a nova certidão. Lembro que ele já estava destituído do poder familiar, e isso colaborou com a agilidade do processo.
Christofer sempre foi um menino muito introspectivo, fechado e não sabia demonstrar carinho, já que até aquele momento da vida não tinha recebido esse tipo de sentimento. Teve sua primeira festa de aniversário comigo, aos 12 anos. Fez alguns meses de análise, mas foi liberado por não ter nenhum trauma aparente. Sempre foi muito resolvido e realista.
Depois de dois anos a mãe o encontrou na internet. Acompanhei a conversa deles por uns dias junto com a Dra. Silvana e ele mesmo cortou o relacionamento dizendo a ela que não tinha o que perdoar (porque foi melhor para ele) o que tinha acontecido e que não a via mais como mãe.
Ele estava atrasado no colégio e apesar de ser muito inteligente não tinha interesse nos estudos. Em contrapartida foi campeão de natação pelo Colégio, ganhando várias medalhas. Mas com muito esforço terminou o Fundamental e hoje está finalizando o Ensino Médio pelo EJA.
No início desse ano fomos surpreendidos por uma gravidez não planejada da namorada dele. Fiquei muito preocupado pois são muito novos e ainda estão finalizando os estudos. Mas Deus sabe o que faz na hora certa. A vinda do Raphael, meu neto, que hoje está com 2 meses de vida, o fez amadurecer muito. Está sendo um pai presente e muito amoroso. Raphael veio para aproximar ele dos familiares ainda mais. Ainda está sem emprego e eu e o pai da menina estamos ajudando no que é preciso. Ele fez testes para entrar para a Brigada de Paraquedistas, e estamos aguardando o resultado agora.
Fiz um resumo da nossa história. Que já foi contada em detalhes na série Histórias de Adoção da GNT e no livro Adoção, Os Pais, de Solange Diuana e Amélia Macedo além de fazer parte de um livro de Erivaldo Bezerra com fotos de Luiz Garrido.
Hoje agradeço a Deus e as pessoas que me ajudaram a encontrar meu filho que hoje já me deu um neto lindo. Meu filho já é Pai e eu já sou Avô.
Juliana
Daqui a alguns dias vai fazer 6 anos que ganhamos um lindo presente de Natal. Foi no dia 22/12/2015 que recebemos a tão esperada ligação. Podemos comparar esse momento com “a bolsa estourou!!” É uma mistura de sentimentos, que por fim resulta no crescimento da família, um amor tão grande que não cabe no peito! Foi o melhor Natal de nossas vidas.
Juliana ali, tão pequenina, com apenas 1 ano e 5 meses, olhando para tudo e para todos a sua volta. Aos poucos aquela insegurança foi se transformando em amor. Em poucos meses já estava andando e falando, algo normal para a idade dela, mas que só aconteceu com Juliana por conta do amor e acolhimento que recebeu de toda a família.
O processo de destituição da Juliana está em andamento até hoje. Inúmeras vezes foram citadas a sua história de origem, a procura pelos genitores, a posição favorável das Assistentes Sociais e do Ministério Público. Já foi julgado na 2ª instância duas vezes, indeferido por unanimidade. E mesmo assim, a Defensoria Pública recorre em defesa de uma família que já a abandonou faz tempo. Que segue sua vida, que já possui outros objetivos…. e nós aqui estacionados nesta burocracia sem fim. A genitora já foi encontrada, citada, e não compareceu à audiência. Quando interrogada pela assistente social, informou que “acataria a decisão do juiz”. Já abandonou outro bebê, depois da Juliana. E o genitor nunca foi encontrado. Então ficam aqui os nossos questionamentos: a Defensoria Pública está defendendo quem? Por que ela informa no processo que “a criança nunca foi abandonada, e que a “mãe” a quer de volta, para criá-la com carinho e atenção?”. Qual seria então o “verdadeiro interesse da criança?”. Juliana já tem 7 anos e meio, entende tudo que está acontecendo. Nós nunca escondemos nada dela. Aos 2 anos ela já sabia da sua adoção. Nós somos a única família que ela conhece.
Não pedimos que os processos sejam finalizados rapidamente, sem percorrer as etapas imprescindíveis para que tudo aconteça conforme a lei. Mas que haja um pouco de bom senso. Acredito que nosso processo, assim como tantos outros, poderiam ter um julgamento mais objetivo.
Quantos pais e quantas mães dormem com a insegurança de poder ter seus filhos arrancados do seio familiar? É preciso repensar.
Relato de Juliana
Quando me perguntam quem eu sou, quem são meus pais e quem é minha família, não tenho dúvidas em responder: sou Juliana, meus pais são Andrea e Marcelo, e minha família são meus tios, avós e primos, uma linda família que tem um grande amor por mim! Essa é minha única lembrança de seio familiar. Em minhas memórias não existem outras pessoas. Apesar disso tudo, fica no ar uma pergunta: toda vez que vou solicitar um documento no colégio, quando vou ao médico ou fazer uma viagem, por que me chamam de outro nome? Eu sou a Juliana e me chamam por outro nome, e tenho que responder…. qual o certo? Por que as pessoas perguntam se eu sou a menina com “problema no nome”?
Sei do imenso amor que meu Papai Marcelo e minha Mamãe Andrea têm por mim. Tenho consciência que faço parte de uma família linda, que me ama incondicionalmente. Tenho o meu primo Arthur, com quem sempre temos brincadeiras novas. Tenho também uma irmã, que assim como eu, também foi abandonada pela mesma genitora, a qual a Defensoria Pública insiste em dizer que ainda nos quer. Mas para a sociedade eu como Juliana, filha do Marcelo e da Andrea, não existo. Enquanto o juiz não definir quem eu sou, um papel, que eu nem sei dizer para que serve, define meu nome, meus “pais” e uma família que não quer saber de mim.
A demora para concluir o quê o Amor já definiu deixa um enorme buraco e insegurança no meu pequeno coração de 7 anos. Comecei a ser amada pelos meus pais, com 1 ano…já são 6 anos de amor. Espero chegar aos meu 8 anos sendo exatamente quem eu sou, no coração e no papel.
Leia também:
Dia 11 estreia a série “Adoções”
ADOÇÕES I – Família Harrad Reis
ADOÇÕES II – Do direito à convivência familiar e comunitária
ADOÇÕES III – Obrigações de cuidado
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
SILVANA DO MONTE MOREIRA – Advogada, militante da Adoção Legal, mãe sem adjetivos. Presidente da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/RJ (2016/2018, 2019/2021), coordenadora dos Grupos de Apoio à Adoção Ana Gonzaga I e II, membro fundador da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-RJ, Representante para o estado do Rio de Janeiro da Associação Brasileira Criança Feliz, dentre outras atividades que desempenha. @silvanamonteadv