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A roubada dos presídios federais
Siro Darlan, desembargador do TJ-RJ, e o advogado Raphael Montenegro, ex-secretário de Administração Penitenciária falam sobre os presídios.Compartilhe: 02 de outubro de 2023A-A+
Os presídios federais foram criados em 2003.
*Por Siro Darlan e Raphael MontenegroPauseUnmuteCurrent Time 0:21/Duration 0:30Loaded: 100.00%Fullscreen
Por incrível que pareça, os presídios federais foram criados por um governo democrata de esquerda, em 2003, pelo Presidente Lula, mas somente implementado em 2006. O Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), é responsável pelas 5 penitenciárias do Sistema Penitenciário Federal (SPF) localizadas em Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF).
Trata-se da mais hedionda criação da chamada civilização capitalista, onde os homens não são condenados à privação da liberdade, mas privação de todos os seus direitos e á animalização cruel, através do afastamento total da família, em face do distanciamento, da sociedade pelo isolamento total e de todo afeto possível, com a hipócrita proposta de ressocialização. Segundo a assessoria do Ministério da Justiça, todas as penitenciárias federais possuem 208 celas.
As penitenciárias federais, para onde foram transferidos 22 integrantes da facção criminosa PCC, diferem das outras prisões brasileiras em relação ao perfil dos detentos, regras taxa de ocupação. Nunca foram registradas fugas ou rebeliões nas cinco unidades do tipo existentes no país. Nos presídios federais não há superlotação de presos: a taxa média de ocupação é de 59%, bem menor que na maioria dos presídios do país.
Nas federais ficam:
• Chefes de facções criminosas;
• Presos condenados por integrar quadrilhas violentas;
• Delatores que estão com a segurança sob risco;
• Envolvidos em tentativa de fuga de presídios comuns.
As visitas íntimas são muito mais restritas: só é permitida uma vez por mês e apenas para presos declarados como colaboradores ou delatores premiados ou que não façam parte de facções criminosas.
Os presos ficam em celas individuais, ao contrário dos presídios comuns, e o banho de sol é mais controlado. Apesar de todas essas restrições, algumas observações merecem uma reflexão:
(1) foi nos presídios federais que se consolidou a expansão do Comando Vermelho para o Norte/Nordeste;
(2) existe um custo absurdo que é repassado ao RJ, que não tem orçamento para estruturar Polícia Penal;
(3) é um instrumento jurídico ineficaz, já que mesmo isolados os custodiados continuam sendo indiciados no RJ, ou seja, o propósito do isolamento não atinge a sua finalidade;
4) há clara violação de princípios constitucionais como direito de convivência de pais e filhos e o próprio direito à auto constituição familiar (impedida pela vedação à visita intima).
Assim como o Estado criou por uma estratégia errada, as facções criminosas, quando juntou presos políticos, altamente organizados e intelectualmente preparados para a guerra política, com criminosos comuns, expandiu essas facções por todo o país, quando elas existiam apenas nas principais capitais do país: Rio de Janeiro e São Paulo.
O Brasil conta atualmente, segundo dados do DEPEN com 837443 presos no sistema penitenciário entre homens e mulheres. Os presídios federais abrigam 482 presos. As vagas são reservadas para presos de acordo com o grau de periculosidade e com a liderança na facção criminosa. Segundo o Ministério da Justiça, todos os presídios federais têm como padrão ficar em uma área total de 12,3 mil m². As celas são individuais e contam com dormitório, sanitário, pia, chuveiro, mesa e assento.
O chuveiro liga em hora determinada, e esse é o único horário disponível para o banho do dia. A comida chega através de uma portinhola. A bandeja é recolhida e, em seguida, vai para inspeção. Os presos não têm televisão nem acesso a jornais. As leituras permitidas são de livros, revistas, apostilas de cursos e conteúdos religiosos.
Os visitantes passam por quatro níveis de revista. Segundo o governo, nunca um celular entrou ilegalmente dentro dos presídios.
Atualmente, há cinco presídios federais no Brasil, segundo o Ministério da Justiça:
• Catanduva – inaugurado em 23/06/2006;
• Campo Grande – inaugurado em 21/12/2006;
• Porto Velho – inaugurado em 19/06/2009;
• Mossoró – inaugurado em 03/07/2009;
• Brasília – inaugurado em 16/10/2018
Cada presídio tem 12 celas para abrigar presos em Regime Disciplinar Diferenciado (RDD). Elas têm 12 m² e o preso passa o dia todo trancado. Só sai para atendimento médico, audiência com juiz ou advogado. Não tem direito a banho de sol.
Essa desumanização do condenado tem um preço altíssimo, diante da inutilidade dessa pena medieval e não traz qualquer resultado positivo para a sociedade. Apesar de todas essas restrições, o Estado conseguiu organizar o crime e espalhar por todos os recantos do país.
O ex juiz e ex Ministro da Justiça do Governo Bolsonaro Sergio Moro, conseguiu em pouco tempo agravar esse quadro ao assinar Portaria determinando que:
• As visitas sociais nesses presídios só poderão ser feitas, em regra, em parlatório ou por videoconferência. A portaria estabelece que as visitas serão destinadas exclusivamente a manter “laços familiares e sociais” e devem ocorrer “sob a necessária supervisão”.
• De acordo com o Ministério da Justiça, antes da portaria, a regra era que as visitas ocorressem nos pátios. Agora, essa é a exceção.
• A visita em parlatório é aquela em que o preso e o visitante são separados por um vidro e a comunicação é feita por interfone. Nos presídios de segurança máxima, essa modalidade de visita poderá ser feita por “cônjuge, companheira, parentes e amigos”.
• Presos que tenham feito acordo de delação premiada poderão receber visitas sociais no pátio. Os outros presos poderão solicitar visita no pátio se tiverem ótimo comportamento por 360 dias ininterruptos.
A incompetência!
Se havia uma certeza na segurança pública do RJ é que contraventores, apesar das suas atividades, prezavam por uma atuação pacífica, sem violência.
Como ficava claro nos debates carnavalescos, mediados pela Rede Globo, nos anos 80, as diferenças eram resolvidas na Marquês de Sapucaí, sendo que dessa rivalidade nasceu o “Maior Espetáculo da Terra”.
Mas vejam os Srs. / Sras. o impacto que o desleixo com o sistema penitenciário e os processos. Aliás, essa “pacificação dos ânimos” foi mediada pelo então Vice-Governador Darcy Ribeiro, de ressocialização causa globalmente no contexto da segurança pública! Cadeias caindo aos pedaços, Policiais Penais subjugados e propostas mirabolantes impactam diretamente na geração de violência nas ruas.
Isso sem dizer no impacto direto que a velha política de compadrio com as empresas de alimentação tem nisso tudo! A dinâmica é simples: a cúpula da SEAP não fiscaliza a alimentação (basta dizer que em 2022 foram anistiados mais de R$ 40 Milhões, em multas e revogada uma pena de inabilitação), os internos são obrigados a consumir nas cantinas (quem são os donos?) e, com isso, aumenta-se o “custo de vida” nas cadeias.
De onde vem esse dinheiro? Alguém realmente quer acreditar que “parceiro” que está na rua tira do seu próprio bolso para financiar quem está preso? Até quando fecharemos os olhos para relação direta de causa e efeito entre corrupção e o aumento exponencial da violência no Estado do Rio de Janeiro?
A famosa “Teoria das Janelas”, estudo criminal-sociológico realizado em Nova Iorque, nos Estados Unidos, mostrou claramente essa correlação entre desordem (principalmente por omissão do Poder Público) e criminalidade.
No Rio de Janeiro não vandalismos carros para fazer experimentos sociais, simplesmente expomos o bem maior da população, sua segurança e vida, já consciente dos resultados!
Não são ciclos aleatórios, são, em verdade, equações sociais com resultados tão previsíveis quanto as matemáticas! A questão é: qual é a prioridade? Os interesses próprios de quem está à frente do Governo ou o interesse social coletivo?
As autoridades pouco são afetadas por essa realidade, afinal vivem em uma bolha onde carros blindados e seguranças armados os afasta do mundo real; notícias de jornal são contestadas com números fabricados, ainda que todos os dias um agente de segurança perca a vida de forma completamente desnecessária!
Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Raphael Montenegro é Advogado e Ex-Secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro