De Jó a Henrique Vieira.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça e membro da Associação Juízes para a democracia.
Após assistir o filme Coringa, sai do cinema pensando que o mundo estava no fundo do poço. A insensibilidade que discrimina, encarcera e mata as pessoas e que cria Coringas, me lembrou o Livro de Jó, quando tudo dava errado apesar do personagem bíblico continuar justo e clamando aos céus por justiça. Um amigo ao ver o filme, lembrou-se de um artigo que escrevi há quase vinte anos com o título: Como fabricar um bandido?
Há dias me senti como Jó, tendo minha privacidade invadida, minha casa e família vilipendiada, minha reputação assassinada e toda construção de 38 anos de vida dedicada à causa da justiça reduzida à uma simples noticia desprovida de fatos concretos e verdadeiros de um criminosos que no ambiente carcerário, e para tirar proveito de sua precária situação de prisioneiro me atribuiu a prática de um crime. Bastou sua palavra, como ele mesmo reafirma, se estou falando é porque é verdade para dar início ao meu calvário. “És o Rei dos Judeus? Tu o dizes”.
Percebi então que a vida nem sempre percorre os caminhos que desejamos. Esse encontro com a dor me trouxe dissabores, mas me fez encontrar muita solidariedade de pessoas que conhecia, mas muitas que jamais encontraria se não tivesse vivido essa experiência nefasta. Pessoas que passaram pela minha vida, nas quais semeei bondade que frutificou e se manifestaram noticiando sua gratidão como a menina que vivia num abrigo e disse que por eu haver tocado com minha palavra e exemplo mudara de vida e hoje vivia feliz com seu trabalho e família. Ou aquele que ao ter sido desrespeitado pela polícia encontrou-se comigo, com seu cabelo descolorido e ao ser tratado com deve ser, resolveu dedicar-se ao estudo e hoje leciona em uma escola e atribui a mim essa mudança.
Foram muitos encontros que me consolaram e fortaleceram na caminhada. Muitos secaram o sangue e as lágrimas que rolaram de minha face. Mas nenhum foi tão importante quanto o presente que recebi de uma filha, que foi o livro “O amor como revolução”, do Pastor Henrique Vieira. Nessas páginas pude encontrar a consolação plena. Deus nunca disse que seria fácil. Não é fácil colocar-se do lado dos oprimidos e libertá-los quando todos gritam por ódio e vingança. Assim como no Coringa, a indiferença, as esperanças ilusórias, a mentira, a falta de políticas públicas inclusivas, as frustrações cotidianas, tudo isso pode alimentar o ódio e impedir uma convivência amorosa e feliz.
A proposta de Henrique de levar o amor a sério é o que me faz crer que só implementando o Estatuto da Criança e do Adolescente, respeitando e fazendo respeitar os direitos fundamentais dos seres mais vulneráveis e hipossuficientes, que por estar em processo de desenvolvimento precisam ter cuidados acima de todos os demais para que possam crescer de forma saudável e respeitados. Se é verdade que os conflitos fazem parte do que somos como humanos pode ser a base para nos tornar capazes de amar sem limites o próximo.
Como afirma Henrique Vieira, somente poderemos superar as dificuldades que a vida nos traz, surpreendendo-nos a cada dia se formos capazes de amar e colocar o amor como meta de nossa vida. Mesmo aqueles que buscam nos prejudicar caluniando e criticando nosso trabalho, precisam ser amados como é exemplo nossa Santa Irmão Dulce dos Pobres, que certa vez ao estender sua mão para pedir uma esmola, cuspiram na sua mão. Ela então recolheu essa mão e disse essa cuspida foi para mim. E estendeu a outra pedindo, agora dê para meus pobres.
Henrique me trouxe a mensagem que tanto precisava em sua Oração da Felicidade ao escrever “Que a felicidade venha sobre nós respeitando toda dor e consolando toda lágrima, porque a felicidade de verdade só é possível sob a bênção da comunhão. Amém. Axé. E o que de mais universal existe: Amor