Doutrina Penal nazista – por Siro Darlan

COLUNISTASJUSTIÇAPOLÍTICADoutrina Penal nazista – por Siro Darlan  MAZOLA15 horas ago 0  13 min read  22858

Por Siro Darlan –

Eugenio Raúl Zaffaroni afirma em seu livro Doutrina penal nazista que instituições processuais demolidas há séculos são apresentadas pelos meios maciços de comunicação do atual momento de domínio mundial do capital financeiro transnacional como verdadeiras novidades (testemunhas secretas, agentes provocadores, juízes se rosto, informes policiais como prova, extorsões judiciais, confissões policiais, delação premiada, por não falar da tortura moderada) ou seja que, elementos inquisitoriais, pré-modernos, apresentam-se como inovações pós-modernas.

Essas práticas, que aparentemente haviam sido superadas pelo processo civilizatório, voltaram como novidades no cenário político e processual penal brasileiro. No dia 24 de setembro de 2019 fui surpreendido em minha casa, às 6 horas da manhã com a chegada de policiais federais com um mandado de busca e apreensão. Retirados da cama, ainda de pijama, eu e minha esposa, fomos proibidos de qualquer comunicação, embora a mídia parceira dos policiais já estivessem na porta de meio prédio noticiando a violência que estávamos sofrendo, por ordem do Ministro do STJ Luiz Felipe Salomão. A tarefa havia sido denominada “Operação Plantão”, porque eu havia substituído a prisão de um empresário, primário e acusado da prática, em tese, de crime, sem violência e com pena máxima menor que quatro anos. Esse fato fora em 2018 e até o momento o empresário não foi julgado por total ausência de provas da denúncia.

Escarafunchados todos os recantos da casa, nada de relevante foi encontrado, nem mesmo nas roupas intimas de minha mulher, desrespeitosamente invadidas pelos policiais, que indagavam se eu possuía armas? Não. Se possuía cofre? Não. Se possuía moedas estrangeiras? Não. Nada encontrando nem em minha casa, nem em meu gabinete de trabalho, nem na casa de meu filho, igualmente violentado sem que a ele fosso imputada qualquer prática ilícita, ficou dois anos com tornozeleira, sem denúncia e sem processo.

Não satisfeito com essa humilhação pública, o referido Ministro, em plena pandemia, alguns policiais pegaram COVID nessa operação, repete a dose, agora de forma muito simbólica para o desfecho desse processo inquisitorial. No dia 9 de abril de 2020, uma quinta-feira santa, novamente sob as óticas da Globo, somos surpreendidos com nova invasão de nossa casa. Novas buscas, novas indagações e agora somada a um afastamento de minhas funções que durou mais de dois anos, e nada de relevante foi encontrado, apesar de terem levado todos os meus pen-drives, computadores, laptop, telefones celulares, HDs, documentos e bloqueadas minhas contas bancárias. Passados mais de dois anos da decisão do Ministro Edson Fachin do STF anulando todo esse processo inquisitorial por basear-se em provas ilícitas, ainda não foram devolvidos meus bens e minhas economias.

Luiz Edson Fachin e Ricardo Lewandowski. (ANPr)

Antes desses fatos dizia como Jó, 29:1-25: “Os moços me viam e se escondiam; e os idosos se levantavam e se punham em pé; os príncipes continham as suas palavras e punham a mão sobre a boca; a voz dos chefes se escondia, e a sua língua se pegava ao seu paladar; ouvindo-me algum ouvido, me tinha por bem-aventurado; vendo-me algum olho, dava testemunho de mim; porque eu livrava o miserável, que clamava, como também o órfão que não tinha quem o socorresse. A bênção do que ia perecendo vinha sobre mim, e eu fazia que rejubilasse o coração da viúva. Cobria-me de justiça, e ela me servia de veste; como manto e diadema era o meu juízo. Eu era o olho do cego e os pés do coxo; dos necessitados era pai e as causas de que não tinha conhecimento inquiria com diligência; e quebrava os queixais do perverso e dos seus dentes tirava a presa. E dizia: no meu ninho expirarei e multiplicarei os meus dias como a areia. A minha raiz se estendia junto às águas, e o orvalho fazia assento sobre os meus ramos; a minha honra se renovava em mim, e o meu arco se reforçava na minha mão. Ouvindo-me, esperavam e em silêncio atendiam ao meu conselho. Acabada a minha palavra, não replicavam, e minhas razões destilavam sobre eles; porque me esperavam como à chuva; e abriam a boca como à chuva tardia. Se me ria para eles, não o criam e não faziam abater a luz do meu rosto; se eu escolhia o seu caminho, assentava-me como chefe; e habitava como rei entre as suas tropas, como aquele que consola os que pranteiam”.

Foi assim que fui colocado em prova. Começou minha batalha para provar que nunca cometi nenhuma ilicitude, apenas cumpri as leis e a Constituição, garantindo o exercício dos direitos fundamentais, conforme prometera em minha posse. Não sei ainda por que motivos, uma amigo da magistratura, colega de posse no Tribunal de Justiça, companheiro de campanha política que fez dele o presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, transformou-se sem que eu saiba a razão em meu perseguidor maior, no demônio que Deus permitiu que me tentasse e provasse minha fé na Justiça e em Deus.

O primeiro teste de minha resiliência foi a retirada de todas as minhas conquistas legais através de concurso público. Fui afastado de minhas funções que exerço com denodo há 41 anos. Foram retirados a abandonados as minha assessoras e assessores. Fui impedido de frequentar o Tribunal de Justiça, ficando exilado em minha própria casa.

O segundo teste foi uma denúncia, baseada de colaboração premiada a um réu a quem o Ministério Público oferecera uma redução de 40 anos de pena para 4 em regime aberto para incluir meu nome na colaboração. Leiam o que disse o Colaborador Cristian em juízo:

“Sr. Crystian Guimarães Viana – Nós tivemos provavelmente umas seis reuniões aqui no Ministério Público [00:06:09] do Rio e no Ministério Público de Resende, na qual foi levantado várias questões desse processo criminal anterior, que eu sou réu, e uma das perguntas, na verdade, salvo engano, a pergunta final de um dos promotores era sobre a questão do HC do Ricardo Abbud, se eu sabia de alguma coisa.

 Sr. Juiz Federal – Foi o senhor que gravou alguma conversa do senhor com a advogada Nathalie?

Sr. Crystian Guimarães Viana – Sim. Junto com o Ministério Público.

Sr. Juiz Federal – O senhor gravou junto com o Ministério Público?

Sr. Crystian Guimarães Viana – É, é uma ação controlada que chama. Sim. [00:14:46]

Sr. Juiz Federal – Foi gravado?

Sr. Crystian Guimarães Viana – Sim” (grifei)

Afirmou o delator que “ouviu dizer que estavam comentando que o pai do Ricardo Abub, já falecido pagou 50 mil para o Siro Darlan soltar o filho”. Com essa denúncia, baseada em provas ilícitas, com a colaboração homologada pelo Desembargador Jose Muiños Piñeiros Filho, que não por acaso foi Procurador-Geral de Justiça em dois mandados (1999/2001 e 2001/2003), e que não era competente para homologar uma colaboração contra desembargador de seu Tribunal e por isso cometeu mais uma ilegalidade, comprovando que o MP é “uno e indivisível”, mesmo quando algum deles ingressa na magistratura pelo Quinto Constitucional.

Ora, no dia do recebimento da denúncia, no dia 16 de setembro de 2020, na Corte Especial do STJ, de forma inusual, o Relator, embora devesse, não declinou seu impedimento na ação penal, ao contrário, sustentou o “libelo crime acusatório” durante 1 hora e sete minutos, e mesmo após o único voto divergente do Ilustre Ministro Napoleão Nunes, inusualmente, ainda replicou por mais minutos, enquanto a Procuradora da República, por absoluta falta de argumentos fáticos probatórios utilizou apenas 13 minutos para a leitura da insubsistente denúncia baseada em provas ilícitas.

Recebida a denúncia por maioria de votos, felizmente existe o Supremo Tribunal Federal, e, no voto brilhante do Ministro Edson Facchin, a segunda Turma do STF, por unanimidade anulou o processo ilegal movido contra mim, sepultando a ação penal 951/DF:

“Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para i) reconhecer ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado entre Crystian Guimarães Viana e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, exclusivamente, em relação ao paciente;

ii) declarar a nulidade das provas obtidas mediante atos de colaboração envolvendo o paciente, em especial as gravações de diálogos realizados pelo colaborador Crystian Guimarães Viana e de todas as demais delas decorrentes; e iii) determinar o trancamento da APn 951/DF”.

Quando eu pensava que minha longa “Semana Santa” havia acabado, o mesmo Relator Luís Felipe Salomão é nomeado Corregedor do Conselho nacional de Justiça, ela acabara de dar uma entrevista à Revista Veja afirmando que “Juiz não pode ser um vingador”, e promove uma vingança pessoal em série. Primeiro resolve receber um Procedimento Administrativo acusando-me de haver visitado o ex-governador Sergio Cabral, quando estava na prisão. Embora Mateus, 25,39 afirme entre as Bem –aventuranças que: E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te? Na verdade estava fazendo visita à unidade prisional da Policia Militar em razão de estar cursando na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura uma Especialização em Sistema Penitenciário, onde fui diplomado.

Então, o Corregedor Inquisidor instaurou mais uma PAD contra mim por haver visitado um presidio, não satisfeito seu ajudante de ordem baixou uma Recomendação proibindo todos os juízes brasileiros a visita a presido condicionando à previa autorização do Presidente do Tribunal. Claro que essa recomendação atende aos interesses dos torturadores de plantão que saberão previamente quando alguém está pra chegar.

Mas não parou por aí. Notificou-me para explicar porque convidei um grupo de advogados e advogadas negras da CEVENB – Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil para a posse do Presidente do Tribunal de Justiça. Convidei porque a posse de uma autoridade republicana é pública e chamei-as para o salão onde ocorria a posse porque a Constituição não permite preconceito em razão da cor da pele. Mas não posso responder se os seguranças do Tribunal de Justiça agrediu duas mulheres negras e idosas por haverem se manifestado com autoriza o texto constitucional.

Mas a cereja do bolo veio quando o Corregedor combinou com uma Conselheira para desenterrar um PAD que dormitava por falta de fatos e motivação legal, tanto que o próprio representante do Ministério Público já havia pedido seu arquivamento. Contudo a Relatora resolveu descumprir a ordem da Corte Suprema e “encantou” os demais conselheiros utilizando-se das mesma provas ilícitas já espancadas pelo STF. Encantados e enganados aplicaram a um juiz que nunca recebera qualquer advertência ou punição a pena máxima da aposentadoria compulsória.

Estátua da Justiça no STF, ao fundo o Congresso Nacional. (Gil Ferreira/Reprodução)

Aqui deve-se exaltar o papel dos advogados e advogadas, sem os quais não há JUSTIÇA. Meu advogado Júlio Matuch levou uma Reclamação à apreciação do Ministro Ricardo Lewandowski, que lamentavelmente já estava de saída da Corte para gozar sua merecida e festejada aposentadoria. Porém, esse magistrado magnífico exemplo de juiz, não fugiu à luta e sentiu que devia se despedir fazendo o que sempre fez em sua vida: JUSTIÇA. E foi no seu último dia de exercício que proferiu a decisão redentora na Medida Cautelar na Reclamação 58.612 – Rio de Janeiro, que assim decidiu:

“Ocorre que, ao menos em juízo de cognição sumária, próprio desse momento processual, verifica-se que o PAD 0006926-94.2018.2.00.0000 foi julgado pelo CNJ, na sessão do dia 14/3/2023, e resultou na aplicação da pena máxima de aposentadoria compulsória ao reclamante. Tal cenário leva à imperiosa necessidade de se examinar a eventual – e indevida – utilização de fatos e provas que deveriam ter sido expurgados dos autos, ou até mesmo se tais elementos serviram de supedâneo para que se chegasse a tal penalidade de invulgar gravidade.

Nessa linha de raciocínio, afigura-se recomendável, ainda que por cautela, seja apurado o eventual descumprimento da decisão paradigma pelo CNJ. A plausibilidade do direito invocado, neste momento, impõe a concessão da liminar, até que ocorra o exame vertical dos elementos que levaram o reclamante a tão grave penalidade, especialmente após a oitiva daquele órgão, pela Conselheira relatora do procedimento disciplinar.

Observo, ademais, a inexistência de qualquer risco de irreversibilidade da medida ora imposta, uma vez que apenas se está a suspender a eficácia da supracitada decisão, até o julgamento final desta reclamatória, o que, de modo algum, afetará a possibilidade de sua reversão futura, se for o caso.

Não fosse o bastante, não vislumbro, ainda, seja o reclamante capaz de interferir no curso normal da tramitação do feito, até porque a instrução já se encontra encerrada, inexistindo qualquer notícia sobre obstáculos lançados por ele com o fim de embaraçar o andamento processual.

Nesse diapasão, ao menos nessa análise preliminar, compreendo que tais questões trazem plausibilidade às alegações iniciais, o que se soma ao risco de dano de difícil reparação, como ressaltado acima.

Em face do exposto, defiro o pedido cautelar para suspender a eficácia da decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça nos autos do PAD 0006926-94.2018.2.00.0000, expedindo-se ofício ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para que, ao menos por ora, torne sem efeito o ato de aposentadoria do reclamante.

Solicitem-se informações complementares à Conselheira relatora, Salise Sanchotene, especialmente no que toca à utilização, pelo CNJ, da prova declarada ilícita nos autos do MS 38.099/DF, de minha relatoria.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 4 de abril de 2023.

Ministro Ricardo Lewandowski
Relator”

Voltamos à Semana Santa, dia 4 de abril foi terça-feira da semana santa, mas só foi publicada e eu tomei conhecimento na sexta-feira, dia 6 de abril. Portanto o Salvador que só ressuscitou no domingo, antecipou fazendo Justiça pelas mãos do Ministro Lewandowski a minha ressureição. Viver esses dias de angústia foi triste, assim como o que fizemos com Jesus é triste, mas saber que nossa fé só existe porque Ele ressuscitou é um consolo e motivo de alegria. Sempre fui um cristão fiel e sempre acreditei que vale a pena fazer o bem, e quanto mais a gente ama mais recebe amor. A alegria por essa vitória veio das pessoas mais simples que eu encontrei, os ascensoristas, os motoristas, os garçons do Tribunal fizeram festa e demonstraram alegria e isso me fez muito bem porque tive a certeza que estou do lado dos bons.

Nunca foi tão significativo para mim saber que os humilhados serão exaltados. Não importa o mal que a mim e minha família fizeram (ou será que fizeram mais mala a eles próprios), mas não consigo alimentar nenhum ódio, nem desejo de vingança em meu coração, que foi ferido, mas que se restaura como um fígado para seguir na luta pelos direitos humanos e pelos mais sofridos em outras jornadas.

O reconhecimento que a advocacia é uma arte de fazer Justiça, e que sem ela nunca haverá a verdadeira justiça me leva de volta à Casa da Justiça, que é a OAB, onde me filiarei para dar sequência a meu ideal de servir sem pensar em recompensa, que vira naturalmente quando conseguir garantir o exercício do direito e da cidadania de todos e todas cidadãs brasileiras.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com