
Colunistas, DIREITOS HUMANOS, ESPECIAL, Justiça, Política
ESPECIAL VII: Documentário brasileiro exibe desespero de parentes de detentos no desumano RDD – por Daniel Mazola
MAZOLA, 26 minutos ago 5 min read
Por Daniel Mazola –
“A técnica penitenciária e o homem delinquente são de algum modo irmãos gêmeos. Delinquência é a vingança da prisão contra a justiça. A prisão é a região mais sombria da justiça” (Michel Foucault)
O documentário “O Grito”, produzido pela K2 e Real Filmes e exibido na Netflix, mostra a aflição de mães, mulheres, filhos e amigos de presos isolados há anos em RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), sistema desumano em vigor desde 2003 nas prisões brasileiras.

No RDD, o prisioneiro é mantido 22 horas em cela individual, sem acesso a rádio, TV, jornais e revistas. Tem direito apenas a duas horas diárias de banho de sol com no máximo quatro detentos. A visita ocorre uma vez por semana e não há contato físico. Vidro blindado separa presos e visitantes.
Segundo informações do portal UOL, a produção ouviu relatos de desembargadores, como Kenarik Boujikian, aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e especialista em Direitos Humanos, o juiz Luiz Carlos Valois, o advogado Alberto Toron, o padre Júlio Lancellotti, o rapper e compositor Dexter (foto abaixo), entre outros.

Também foram ouvidos parentes dos irmãos Marco Willians Herbas Camacho, 56, o Marcola, e Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, e dos presos Célio Marcelo da Silva e Paulo César Souza do Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina, todos recolhidos em presídios federais.
A desembargadora Kenarik observou que as famílias dos prisioneiros enfrentam principalmente humilhação nas filas dos presídios. O advogado e delegado aposentado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone (foto abaixo), afirmou que retirar o contato da família com o preso é cruel e mecanismo de tortura.

Saúde mental dos presos preocupa
Para o criminalista Alberto Toron, o preso está cumprindo pena, mas tem os direitos mínimos que devem ser conservados, como poder abraçar e beijar os filhos e a mulher. Já o psiquiatra forense Hewdy Lobo ressaltou que a questão da saúde mental dos presos brasileiros é no mínimo preocupante.
Segundo ele, muitos prisioneiros que entram no RDD sem adoecimento mental acabam desencadeando a doença e os outros que já estão adoecidos registram piora no quadro de saúde.

O juiz Luís Carlos Valois (foto acima) mestre e doutor em direito pela USP (Universidade de São Paulo), comentou no documentário que a realidade das prisões brasileiras é bem diferente do que determina e do que está escrito na LEP (Lei de Execução Penal).
O padre Júlio Lancellotti (foto abaixo) disse que no Brasil não basta tirar a liberdade, mas tem de fazer sofrer. E o rapper Dexter acrescentou que a ressocialização no sistema prisional nunca existiu e que ressocializar alguém que jamais foi socializado é contraditório.

Família ouvida
O documentário ouviu ainda Noêmia Oliveira, tia de Marcola, apontado como suposto líder do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do irmão dele, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior. Ambos estão presos na Penitenciária Federal de Brasília.
Noêmia contou que não vê Marcola e Júnior há muitos anos e, emocionada, prometeu que não morrerá sem rever os dois. Eunice Ferreira de Moraes, mãe de Paulo César Souza Nascimento Júnior, o Paulinho Neblina, afirmou que sua luta é para que o filho tenha os direitos respeitados.

Dona Nice, como é conhecida, há décadas visita o filho na prisão e é uma das mães de presos mais ferrenhas na luta contra o RDD. Em março de 2022, ela se acorrentou em frente ao prédio da Justiça Federal, em Brasília, em protesto contra o sistema de castigo implantado nos presídios federais.
Kelly Cristina Borges da Silva, mulher do presidiário Célio Marcelo da Silva, também teve participação no documentário “O Grito” e revelou que criou até uma página nas redes sociais, denominada SOS Relatos Presídio Federal para denunciar eventuais abusos e maus-tratos nas prisões federais.
E assim como os citados acima, o Sr. Marcio dos Santos Nepomuceno (Marcinho VP), não contemplado com a participação de parentes e amigos no documentário, apenado com certidão de boa conduta carcerária, escritor de sete livros, dos quais já publicou três, permanece desde 2007 ininterruptamente em RDD, sem a menor previsão de saída desse regime ilegal e degradante.

Documentos da denúncia: