ESPECIAL XXXV: A família dos presos e o estado de tortura permanente – por Siro Darlan

Fotos: DivulgaçãoCOLUNISTASESPECIALJUSTIÇAPOLÍTICAESPECIAL XXXV: A família dos presos e o estado de tortura permanente – por Siro Darlan  MAZOLA1 hora ago 0  8 min read  22471

Por Siro Darlan –

Série Presídios XXXV.

“Desde sua gênese até o presente, o cárcere revela-se em permanente crise de legitimidade. Tanto a invenção da prisão, como os modelos penitenciários e as teorias legitimantes da pena, teriam como alicerce a noção de racionalidade e civilização. Entretanto, à luz da Criminologia Crítica, percebe-se que em mais de duzentos anos de vigência, a instituição carcerária apresenta uma eficácia invertida, produz tão somente sofrimento e barbárie, em meio às eternas promessas não cumpridas de seu isomorfismo reformista. Este panorama de hipertrofia do sistema penitenciário é percebido claramente no Brasil no contemporâneo, em particular no Rio de Janeiro, laboratório biopolítico da penalidade neoliberal. A cartografia do cárcere fluminense permite identificar seus reais impactos, revelando sistêmicas violações de direitos humanos, de modo que a superlotação opera como um meta-problema e a tortura se faz regra.”

Professor Taiguara Libano Soares e Souza, in “A era do grande encarceramento. Editora Revan, Rio de Janeiro

Iniciamos esse capítulo com essa rica reflexão da pesquisa e do livro do Professor Taiguara Libano, mas vamos viajar um pouco por esse imenso Gulag, que é o sistema penitenciário brasileiro e visitar os depoimentos de internos em outros presídios do Brasil.

Eu Marcos Paulo M. dos S., atualmente sob custodia na penitenciária federal em Porto Velho- RO, onde não tenho acesso a visita íntima em total inobservância aos meus direitos constitucionais de constituir família, de reprodução e de ter relações sexuais com meu cônjuge ou companheira, bem como a visita é realizada em condições, ao meu ver, desumana à medida em que não permita-se qualquer contato físico entre visitante e visitado.

Imagine, o senhor doutor a confusão e talvez o sentimento de rejeição e revolta que é na cabecinha do meu filho, ainda pequeno, que depois de meses, senão anos, sem ver o amado e saudoso pai, e de viajar milhares de quilômetros na poltrona de um ônibus e não poder sequer abraçar, beijar e sentir o colo paterno. O princípio da humanidade é mero romantismo. Assim, bato a porta do doutor em busca da regularização da visita íntima e social, saliento que a regularização da visita íntima depende apenas da portaria do MJSP. Obrigado.

Eu Benedito A. D. da S., natural do estado, filho de Maria da Silva, casado com Cristine, pai de três filhos. No momento estou na Penitenciária Federal de Porto Velho/RO.

Venho por meio dessa humilde carta relatar para o senhor A. M. Neto, todas as desumanidades e torturas que passo todos os dias aqui nesse presídio que me encontro custodiado, pois vivo vinte e duas horas numa sala quente e abafada e muitas vezes ainda a luz assim aumenta mais o sofrimento do reeducando.

Senhor A. a maior tortura que venho enfrentando no momento é não poder tocar nas pessoas que amo, pois o senhor é sabedor que as visitas do pátio foram totalmente restringidas, e essa restrição tem abalado a estrutura familiar que se encontram os custodiados aqui. Não só eu, como os reeducandos, somos privados de abraço, de beijo ou qualquer contato físico com os nossos familiares.

Assim eu não posso fazer meu papel de marido com minha esposa e papel de pai para os meus filhos. Senhor A. a visita no parlatório, onde a visita não tem nenhuma liberdade, para poder ir no banheiro tem que chamar os policiais federais todas as vezes e eles demoram muito para vim tirar o visitante, assim fazendo os visitantes segurar a vontade. Uma vez o meu filho vez xixi na calça, os policiais federais demoraram para vim tirar ele e levá-lo para o banheiro, esse parlatório é totalmente para humilhar o visitante, sendo que não tem banheiro para os mesmos irem sem ter que chamar os policiais federais e também são de má qualidade.

Senhor A. essas visitas no parlatório não tem como acabar com a saudade de meus familiares, não posso brincar com meus filhos, isso tá sendo totalmente torturante para mim é mais torturante para meus filhos, que são crianças, e não entendem porque eles não podem me abraçar ou brincar já que sou o pai deles.

Há senhor A. como esse regime tem me feito sofrer, mas tenho muita fé em Deus vai nos dar a vitória através do Senhor que está na luta por essa causa. Senhor A. que Deus lhe dê sabedoria, saúde, paz e que ilumine seu caminho onde quer que o senhor for. Desde já lhe agradeço o trabalho e esforço.

Venho respeitosamente solicitar ao senhor doutor advogado sua assistência jurídica, pois me encontro na penitenciária federal de Porto Velho, primeiro quero lhe contar um trecho da minha vida nesse lugar que não tem sido bom. Sei que cometi atos ilícitos no qual respondo perante a lei, mas a lei para aqueles que cometem crimes, e não para pessoas de boas índoles com caráter perante a sociedade, sendo que ao ser privado de abraçar minha família, não está sendo punido somente a minha pessoa e sim as pessoas que não cometeram qualquer ato criminoso como pai, mãe, irmãos e esposa.

Esposa infelizmente eu não tenho mais por conta da arrogância que tem colaborado para destruir as famílias, uma vez que não posso abraçar meu cônjuge sem qualquer privacidade e está bem difícil de receber visitas de outros familiares, ficarei feliz e muito triste também pois vê-lo tão perto e ao mesmo tempo distante, porque é como vivemos, separados por um vidro.

Segundo a lei nos dá direitos a visitas do cônjuge, da companheira, parentes e amigos em dias determinados, lei 7.210 de 11, 7.1984, execução penal artigo 42, X. Infelizmente a lei está servindo apenas para nos punir, porque os direitos estão sendo burlados e poucos são os que olham para o que passamos nesse lugar torturador e degradante. O fato de viver 22 horas por dia trancado dentro de uma cela onde somos maltratados psicologicamente. Que ressocialização é essa?

Bem sabemos que a aproximação com a família é fundamental para ressocialização de uma pessoa. A degradância se resume não só na superlotação ou na falta de educação, mas também na falta de oportunidade de trabalho e convívio familiar. Venho pedir ao senhor que possa levar minha petição nas autoridades competentes, Direitos Humanos e outros que venham ver a minha situação neste lugar tão humilhante, só quem passou para sentir na pele a dor da distância de toda minha família. Desde ia agradeço o ato de humildade e justiça.

A Tribuna de Imprensa Livre tem enviado esses reclamos ao Senhor Ministro dos Direitos Humanos Doutor Silvio Luiz de Almeida, mas ainda não obteve qualquer resposta aos seus gritos de socorro.

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SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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