‘Teresa’ usada para fugir da Penitenciária Lemos Brito, no Rio. (Reprodução/TV Globo)COLUNISTAS, ESPECIAL, JUSTIÇA, POLÍTICAO Estado Criminoso VIII – por Siro Darlan MAZOLA, 10 horas ago 0 6 min read 22484
Por Siro Darlan –
Série Presídios XXII.
“O direito de aplicar o castigo físico, direito que é concedido a um indivíduo em detrimento dos outros, é uma das chagas da sociedade, um dos meios mais poderosos para a destruição de qualquer embrião, qualquer tentativa de civismo que ela venha a ter, é a razão completa de sua desintegração fatal e inelutável.”
Fiódor Dostoievski. Recordações da Casa dos Mortos.
“Dos mais de vinte presos enviados para o Bangu I pela Secretária Maria Rosa, estavam três presos do regime semiaberto, um dos quais doente mental que vive a base de remédios controlados e tem ataques epiléticos com frequência.
Este escritor faz lembrar o leitor de que quando da fuga do Barbieri (muito noticiada) com alvará falso em 2019, da mesma Penitenciária Lemos Brito, não houve punição alguma para os presos que não fugiram. Nessa ocasião, seus televisores e rádios não foram roubados, suas visitas regulares e íntimas não foram suspensas, não ficaram por nove dias trancados nas celas sem sair pra nada, nem tiveram seu banho de sol suspenso para sempre, nem foram espancados, nem mandados para o Bangu I, nem tivera sua cantina fechada, nem ficaram com fome até 11 horas da noite… Nada disso aconteceu, apenas uma repercussão na mídia sobre o fato. Nessa ocasião a SEAP não pode culpar os outros presos pela fuga do Barbieri. Como poderia centenas de analfabetos funcionais confeccionar um alvará falso? Somente a própria SEAP poderia possibilitar uma fuga como essa, logo a culpa não é de ninguém – “a íntegra SEAP fora vítima de hakers que invadiram seu sistema”.
Mas se a fuga se dá pelo muro até os presos do regime semiaberto contemplados com o benefício VPL (visita periódica ao lar), são punidos – desvio de execução – com a bênção do sacro Ministério Público guardião das leis que lhes convêm. Os presos que se fodam! E se denunciam (os presos é claro) os abusos são ameaçados de morte pelo Diretor, Subdiretor e Chefe de segurança, que agem com o se estivessem em suas favelas dominadas pela milícia.
O grande desejo deste escritor diante disso, é que todos eles sejam esmagados no lagar do furor e da ira do Deus Todo Poderoso, quando o Messias pisar “as uvas” que verterão sangue até a altura dos freios dos cavalos por uma distância de 300 quilômetros (1200 estádios) – referência bíblica a Apocalipse capítulo 14, versos 19 e 20. Talvez assim haja justiça.
Aquele que diz estas coisas, viu, ouviu e sentiu na pele o que narra, relata e descreve. Já esteve depressivo, já pensou em se suicidar, já teve vontade de morrer, esteve a um passo de vender sua alma ao diabo para se livrar – não de uma justa punição – do mal real, travestido de administrador do preso, cuja real função é gerenciar a fábrica de dinheiro que é o Sistema Penitenciário carioca; já desejou sinceramente ir para a guerra da Ucrânia para pelo menos ter uma morte digna fora dos muros da prisão, por uma causa justa: lutar contra o opressor.
Quem passa por tudo isso, chega a um momento em que as coisas deixam de ter importância, coisas como data de aniversário e natal (o ano novo continua tendo importância por se tratar do fim de um ano e início de outro ainda preso), perdem o significado, passam a ser como outra data qualquer. Coisas como ser abandonado ou não, ser morto ou não, por um palhaço qualquer insatisfeito com o que um preso escreveu sobre o maldito Sistema da qual ele faz parte, deixam de fazer sentido ou trazer preocupação. Chega um momento em que se ri da cara da depressão, se escarnece de sentimentos como saudade, por exemplo – que deixaram de se sentir já há algum tempo -, que não podem mais ferir aquele que aprendeu a transformar a tristeza em ódio; que deixou de se importar se vive ou se morre. Que se dane o que vai acontecer amanhã, o que importa é que alguém tome conhecimento das memórias que compartilhou. O que importa é sua voz ser ouvida pelo menos uma vez sobre sua infeliz existência sob a custódia de um Estado criminoso – o oficial, não o paralelo.”
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12 – Alternativas à privação da liberdade – por Siro Darlan
13- Quem nasceu primeiro o cidadão infrator ou o Estado criminoso? – por Siro Darlan
14- A ponte para a liberdade – por Siro Darlan
15- O Estado Criminoso – por Siro Darlan
16- O Estado Criminoso II – por Siro Darlan
17- O Estado Criminoso III – por Siro Darlan
18- O Estado Criminoso IV – por Siro Darlan
19- O Estado Criminoso V – por Siro Darlan
20- O Estado Criminoso VI – por Siro Darlan
21- O Estado Criminoso VII – por Siro Darlan
AGENDA
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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