Jacarezinho resiste e Ipanema brilha – por Siro Darlan

Luau Ipanema. (Foto: Reprodução TV Globo)CIDADESCOLUNISTASDIREITOS HUMANOSPOLÍTICAJacarezinho resiste e Ipanema brilha – por Siro Darlan  MAZOLA4 dias ago 0  5 min read  25946

Por Siro Darlan –

Enquanto o povo trabalhador do Jacarezinho permanece sob cerco armado de 1200 policiais do Governador Castro, Ipanema brilha, como dizia o Delegado Hélio Luz.

Continua brilhando, porque enquanto os policiais do Castro humilhavam, saqueavam, agrediam e invadiam domicílios no Jacarezinho, não havia polícia para impedir que marginais promovessem Luau no posto 8 de Ipanema com uma estimativa de 20 mil pessoas, o evento clandestino é mercado pelas redes sociais, Guardas municipais estiveram à noite no local, a polícia também enviou viaturas, mas existem relatos de roubos. Nessa manhã barraqueiros reclamaram da dificuldade para instalar suas barracas, além da sujeira. (Fonte: alertazonasul).

Esses fatos demonstram a saciedade a ilegalidade da invasão proposta por Castro, primeiro porque afronta decisão expressa do STF que proíbe intervenções em favelas durante a pandemia, na qual nos encontramos:

“Ante o exposto, defiro a medida cautelar incidental pleiteada, ad referedum do Tribunal, para determinar: (i) que, sob pena de responsabilização civil e criminal, não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – responsável pelo controle externo da atividade policial; e (ii) que, nos casos extraordinários de realização dessas operações durante a pandemia, sejam adotados cuidados excepcionais, devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária. Publique-se. Intime-se. Brasília, 5 de junho de 2020. Ministro EDSON FACHIN”.

Polícia Militar e Polícia Civil em incursão na comunidade da zona norte do Rio de Janeiro (RJ)

O descumprimento de decisões judiciais desafia a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro. Por outro lado a própria decisão chama à responsabilidade o Ministério Público – responsável pelo controle externo da atividade policial – que permanece inerte e conivente.

Ademais, para ingressar em domicilio de qualquer cidadão é necessário mandado judicial e a lei pune quem assim age à margem da lei: 150 – Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

Por outro lado, o sequestro de bens de moradores, como está sendo feito é produto de mera ilação dos agentes que necessitam de: Para fins de sequestro, o artigo 126 do Código de Processo Penal exige que o Delegado de Polícia ou membro do Ministério Público demonstre, em sua representação, indícios concretos apontando que o bem que deseja constringir foi adquirido como proveito do crime (justa causa), pois esta medida retira do titular do bem da sua administração, afastando-lhe da gestão e do usufruto da propriedade.

Tais ações promovidas por um governador que se diz cristão, e é apadrinhado pelo Cardeal Orani, relembra a cassada dos romanos aos primeiros cristãos, não respeitando a dignidade das pessoas que ali residem, o direito a tratamento igual aos moradores de Ipanema e todas as localidades do Brasil. A legalidade, a dignidade e a igualdade cumprem um papel na dimensão formal e na dimensão material da democracia ao permitir que o projeto de criação de uma sociedade inclusiva seja alcançada democracia que é um regime político baseado na necessidade permanente de legitimação das ações dos agentes estatais, motivo pelo qual normas jurídicas procuram afirmar comprometimento com os princípios democráticos.

O conceito de dignidade encontra fundamento em outro elemento importante da cultura moderna: o ideal da autenticidade. Ser autônomo significa ter a liberdade de poder viver de acordo com as suas determinações, de acordo com as características de sua personalidade. Embora a vida em sociedade implique a internalização de papeis sociais, isso não pode ocorrer de tal modo que a individualidade não possa ser expressa de forma verdadeira pelos indivíduos.

Isso reforça que a chamada Guerra às drogas não é verdadeiramente para impedir o uso e comércio de drogas, princípios que o capitalismo liberam defende como direito ao livre comércio, mas uma guerra às pessoas, mas não a todas as pessoas, mas aquelas que possuem a herança dos escravizados. Pois esse não recebem o tratamento igualitário que a norma constitucional impõe de que todos são iguais perante à lei.

Ora, quisesse o governador combater o tráfico de drogas, não estaria no Jacarezinho humilhando os moradores, bastava mandar sua polícia encontrar na zona sul Rio, em Brasília, São Paulo, Minas Gerais, sobretudo nos helicópteros das fazendas os agentes do artigo 36 da lei: “Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, caput e parágrafo 1º, e 34 desta lei. Pena: reclusão, de oito anos a 20 anos, e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa”.

Esse é o crime mais grave e o crime mais raro, porque os policiais não enquadram os que financiam e custeiam o tráfico de drogas no Brasil certamente, no Jacarezinho não tem nenhum bilionário para comprar toneladas de drogas dos cartéis, financiar o suborno das fronteiras e ainda ter lucro com a venda de pequenos baseados. Nem quem acredita em Papai Noel ainda acredita nisso.

Em quarenta anos de magistratura nunca recebi uma denúncia do Ministério Público pelo crime do artigo 36, cujos agentes só podem ser os bilionários que guardam dinheiro nos paraísos fiscais.

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.