Vila Mimosa. (Imagens: Reprodução/arquivo Google)CIDADES, COLUNISTAS, DIREITOS HUMANOS, ESPECIAL, GERALVILA MIMOSA VII – Marginalização leva à exploração – por Siro Darlan MAZOLA, 7 dias ago 0 9 min read 23408
Por Siro Darlan –
Com a colaboração de Fabíola Leoni, Luis Paulo Fraga, Rafa el Nagib e Victor Barroco.
O Jornal Tribuna de Imprensa Livre esta publicando seu sétimo capítulo da série Vila Mimosa, homenageando as profissionais do sexo no Rio de Janeiro. Contudo, essa profissão, embora senso a mais antiga da humanidade, ainda não está regulamentada no Brasil. Há uma tentativa de regulamentação paralisada no Congresso Nacional desde 2019, o projeto de Lei 4211/2012, batizado como Lei Gabriela Leite, foi protocolado em 2012 pelo Deputado Federal Jean Wyllys.
O PL foi assim batizado porque Gabriela Leite foi prostituta, autora do livro “Filha, mãe, avó e puta – a história de uma mulher que decidiu ser prostituta” e fundadora da ONG Davida. A instituição defende dos direitos dos profissionais do sexo.
O projeto foi batizado de Lei Gabriela Leite em homenagem à escritora, presidente da organização não governamental (ONG) Davida e ex-aluna de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), que decidiu virar prostituta aos 22 anos. Gabriela foi muito ativa na luta pelos direitos das prostitutas e morreu em 2013.
O tema do projeto de lei é polêmico e não há consenso entre defensores e opositores. O autor, Jean Wyllys, defende que a marginalização das pessoas que lidam com comércio do sexo leva à exploração sexual.
“Aquela prostituta de classe média alta, que divide um apartamento no Rio ou nos Jardins, em São Paulo, talvez seja menos vulnerável que o proletariado da prostituição, que depende das casas e de exploradores sexuais. Eu quero proteger os direitos delas, garantir a dignidade e combater a exploração sexual de crianças e adolescentes. Digo, ‘elas’, porque a maioria das pessoas que realizam trabalho sexual são do gênero feminino, mas o projeto também beneficia os garotos de programa”, afirmou o deputado.
A câmara dos deputados já havia recebido o PL em 2003, quando o então deputado federal Fernando Gabeira realizou a primeira tentativa de fazer o PL tramitar pela casa. Como Gabeira não se reelegeu deputado, o PL foi arquivado.
De acordo com o PL Gabriela Leite, é considerado profissional do sexo qualquer pessoa acima de 18 anos, em plena capacidade de suas funções mentais e físicas, que presta, voluntariamente, serviços sexuais em troca de dinheiro.
Isso significa que, caso a lei passe, os menores e considerados incapazes não terão direitos trabalhistas. Além disso, as condições que indiquem a exploração sexual dessas pessoas, continuará sendo crime passível de punição. Porém, há muitas opiniões contrárias na sociedade em relação à regulamentação da prostituição e à garantia dos direitos trabalhistas do grupo.
O debate divide opiniões: grupos religiosos, cidadãos comuns e até dentro dos grupos feministas, os mais diversos argumentos são listados.
A regulamentação da prostituição tem como finalidade reduzir os riscos que os profissionais do sexo enfrentam no exercício de suas atividades.
Os profissionais passam a ter direitos às questões previdenciárias, além do auxílio da justiça para assegurar que sejam remunerados pelos seus serviços. Eles também ganham acesso ao direito do trabalho, à segurança e à saúde.
Relação de emprego e relação de trabalho são duas situações diferentes. Na primeira, há o registro do empregador na carteira de trabalho.
O que o PL Gabriela Leite propõe, no entanto, é uma relação de trabalho. Isto quer dizer que os profissionais do sexo não terão de obedecer às ordens de um superior ou de um chefe. Também não terão carteira assinada ou acesso aos mesmos benefícios de quem a tem.
Um ponto bastante abordado nos argumentos a favor da regulamentação é a inclusão social e a diminuição da marginalização do grupo que é vítima de preconceito.
Além disso, com a regulamentação vem a fiscalização do ofício. Uma vez passível a fiscalização, o Estado poderia averiguar as condições de trabalho destes profissionais e evitar casos de violência que já levaram à óbito muitos destes trabalhadores.
Um outro ponto importante é a capacidade que o Estado receberia de conter surtos de doenças venéreas e até maior controle sobre a transmissão do vírus HIV.
Jean Wyllys afirma que sua intenção não é incentivar a prostituição. “As prostitutas existem, e elas estão prestando esse serviço. E se há um serviço, há demanda. A sociedade que estigmatiza e marginaliza a prostituta é a mesma sociedade que recorre a ela. Na narrativa mais antiga produzida pela humanidade, a prostituição já é citada. Não é à toa que dizem que é a profissão mais antiga do mundo”.
Os grupos contra argumentam que o que está em jogo neste PL é a legalização das atividades dos cafetões e empresários do sexo.
Há quem discorde dessa posição. Tânia Navarro Swain, feminista e historiadora da Universidade de Brasília se considera “abolicionista”. Ela é contra a legalização da prostituição por acreditar que isso significaria a institucionalização do proxenetismo. Os proxenetas, que são vulgarmente conhecidos como “cafetões”, segundo Tânia, seriam transformados em empresários.
“A prostituição é a maior violência social contra as mulheres. A legalização da prostituição incentiva o tráfico ignóbil, imundo e nojento, que força as mulheres a se prostituírem. É um ato que só favorece os homens e o patriarcado. Mulheres não são mercadorias, são pessoas”, disse a historiadora.
Afirmam que o conteúdo do PL Gabriela Leite tem o objetivo de inflar a indústria do sexo e utilizar os corpos das prostitutas, que são as verdadeiras trabalhadoras, para faturar quantias exorbitantes, sem determinar nenhuma medida de política pública para garantir a integridade dessas mulheres.
Marcela Azevedo, representante do movimento Mulheres em Luta, diz que o projeto, caso aprovado, vai regulamentar a mercantilização do corpo feminino. “Nós entendemos que a prostituição é colocada para as mulheres como parte do processo de opressão. A perspectiva de melhoras, como direitos trabalhistas e combate à violência, deve ser garantida pelo Estado independentemente da regulamentação da profissão. Qualquer mulher na rua, de dia ou de noite, com qualquer roupa, deve se sentir segura para transitar, e o Estado deve garantir isso”.
Cida Vieira, presidente da Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), defende a legalização da profissão e afirma que, como qualquer outro profissional, a prostituta deve ter o direito de se aposentar e receber benefícios.
Desde 2002, a prostituição está no rol das ocupações brasileiras. Reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a atividade dos profissionais do sexo é restrita aos maiores de 18 anos.
De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), no exercício de algumas das atividades, os profissionais do sexo podem estar expostos a intempéries e discriminação social, além do risco de contágio de doenças sexualmente transmissíveis (DST), maus-tratos, violência de rua e morte. O Projeto de Lei Gabriela Leite prevê a necessidade do direito à aposentadoria especial, por se tratar de trabalho em condições especiais – que prejudicam a saúde ou a integridade física.
Cida diz que, com a legalização, as prostitutas vão se empoderar. “Quando elas têm informação, dão a cara a tapa, brigam por seus direitos e a violência acaba não acontecendo. Hoje, elas ficam a mercê da fiscalização, nas ruas, podendo ser violentadas. Todo mundo quer se aproveitar da pessoa que está na rua, vulnerável”.
De acordo com o texto do projeto, a exploração sexual ocorre quando há apropriação total ou maior que 50% do rendimento da atividade sexual por terceiros; quando não há pagamento do serviço sexual; ou quando alguém é forçado a se prostituir mediante grave ameaça ou violência.
“O projeto busca fazer uma clara distinção entre o que é trabalho sexual voluntário – praticado por pessoas adultas – e a exploração sexual de adultos. O profissional do sexo poderá prestar serviços como trabalhador autônomo ou em cooperativas, e as “casas de prostituição” são permitidas desde que não ocorra exploração sexual”, disse Jean Wyllys.
Para o deputado, a legalização da casa de prostituição é fundamental para tirar o seu funcionamento da clandestinidade, “ou seja, passar de um funcionamento manejado pela corrupção dos órgãos de fiscalização, para uma regulamentação objetiva e com mecanismos de controle que possam ser acionados. A ilegalidade permite os abusos dos cafetões e cafetinas, os abusos da polícia, a propina, a repressão, a violência.”
Marcela Azevedo afirma que o movimento Mulheres em Luta não trata do tema do ponto de vista da moralidade. “Nós nos solidarizamos com as lutas dessas mulheres contra violência, exploração, por direito a se aposentar. Mas a gente acha que o caminho não é regulamentar, pelo contrário, é superar a prostituição. A alternativa é garantir as condições para que as mulheres que estão em situação de prostituição, não por opção mas por necessidade, que possam construir a sua vida em outra condição”.
Como sempre fazemos, homenageamos uma dessas trabalhadoras publicando seu depoimento:
“Grasiele é trabalhadora do sexo desde 21 anos, atualmente tem 34 anos. Afirma que não gosta do que faz mas a necessidade a obriga. Tem 4 filhos 16, 9 14 e 6 anos. E o que ganha dá para se manter com a família. Sairia dessa atividade, se ganhasse o mesmo valor que ganha em Vila Mimosa. Parou de estudar no primeiro ano do 2º grau. Nunca foi abusada. Já pegou cliente engraçado pede para mijar nele e pede que enfie o vibrador. Não tem o que se queixar de Vila Mimosa que foi o puteiro que mais teve independência para ganhar dinheiro, enquanto em outros locais tem que pagar alto para o cafetão Agradece muito a Vila Mimosa onde consegue se sustentar e pagar suas contas. Sem a Vila Mimosa não sabe o que seria dela. Conseguiu comprar sua casa com seu trabalho em Vila Mimosa. Depois que foi para VM se estabilizou. Paga apenas dez reais do quatro e cobra 75 reais pelo programa. Paga dez do quarto e fica com o resto. Já comprou uma casa e está pagando um curso. Durante a pandemia, a cesta básica doada pela Vila Mimosa ajudou muito para alimentar suas 4 crianças.”
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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.