Maria Bourgeois, um modelo de cidadã.
Siro Darlan, Juiz de Segundo grau, membro da Associação Juízes para a Democracia e Conselheiro da ABI
Sempre afirmei que essa Cidade é Maravilhosa porque além do Cristo Redentor, existem vários anjos em forma de humanos que protegem esse povo bom e abandonado. Conheço algumas como Yvonne Bezerra de Melo, Gisela Amaral, que já voltou para o céu e Maria Bourgeois, que podendo estar curtindo sua aposentadoria na Suíça, onde goza de um prestigio só comparado com sua história na França, mas está aqui entre nós, sempre visitando de favela em favela na busca de fazer o bem desinteressadamente.
Bourgeois foi criada e educada na França, até casar com um conde suíço e ir morar em Genebra, onde conheceu a Médicins du Monde, e logo se apresentou como voluntária para trabalhar em Boa Vista, Roraima como voluntária, onde conviveu com os índios Yanomâmis. Foi daí que surgiu a inspiração para criar mais tarde o Comitê Internacional pela Vida, ainda na Suíça. Mas essa mulher, orgulho do Brasil, ganhou uma bolsa da UNESCO após vencer um concurso de poesias e foi estudar teatro em Paris, onde passou a conviver com exilados políticos e se envolver com os graves problemas sociais do Brasil.
Mas, seu destino ainda não estava traçado. Quando encerrou seu curso foi vista por Pierre Cardin, que se encantou com sua beleza exótica e bem brasileira, e foi escolhida, a primeira brasileira, como modelo da Maison Pierre Cardin, abrindo as portas para o mercado de modelos brasileiros, que brilharam depois nas passarelas do mundo. Nessas viagens ao redor do Planeta como manequim profissional, conhece o marido com quem se casa e tem três filhos. Com a morte do marido com o mesmo tipo de câncer que viria a acomete-la posteriormente, ela decide se dedicar inteiramente ao trabalho voluntário. Volta para o Rio de Janeiro e cria o Comitê Pela Vida, no Rio, como resposta à invasão e matança de pessoas pobres na Favela de Vigário Geral, em agosto de 1993.
Nesse ano nos conhecemos, eu como juiz da Infância e Adolescência, e ela como voluntária para ajudar a salvar vidas. Onde havia uma cela imunda, na Praça XI, no prédio da “justiça”, ela me ajudou a transformar com a ajuda de empresários da construção civil, em um Restaurante Modelo. A partir dessa parceria, passamos a enviar para seu ateliê adolescentes em situação de rua e de abrigos ou comunidades, em garçons, cozinheiros, camareiros e atendentes e ela, com seu grande prestígio os colocava no mercado de trabalho com todos os direitos trabalhistas.
Em março de 1996, ela inaugura, sem dinheiro público a Creche Coração de Genebra e entrega à Prefeitura do Rio, com a ajuda de banqueiros suíços e da Prefeitura de Genebra. O Prefeito Conde, encantado com o trabalho de Maria, oferece algumas salas vazias no excelente Colégio Calouste Gulbenkian, no Centro do Rio. E o Comitê desenvolve trabalhos e instrumentaliza jovens carentes para o mercado de trabalho, sem receber um tostão de dinheiro público, contribuindo desse modo com o resgate da autoestima e promovendo a cidadania de milhares de jovens durante esses anos, obtendo êxito na colocação na hotelaria mais sofisticada do Rio que se encanta e estimula o trabalho dessa gigante de generosidade.
. Hoje Maria está vivendo um drama diante da insensibilidade de nosso judiciário lento em suas decisões, elitista quando precisa respeitar o mandamento legal de interpretar as leis visando a finalidade social do direito, bem como a prioridade absoluta e dignidade que devem gozar as pessoas idosas, Narrou Maria que foi vítima, dentre milhares que acolheu, de um menino que convenceu o juiz do trabalho que sua relação com o Comitê era de trabalho e não de aprendizagem educativa. Maria hoje tem câncer e 80 anos, sem parar de trabalhar em prol da cidadania. Como tal deveria ser respeitada e gozar de prioridade.
Contou que estando numa audiência com o juiz esse a empurrara e ameaçara de prisão. Infelizmente não faltam exemplos na mídia desse tipo de autoritarismo e arbitrariedade. Como não vi o fato, me resta a dúvida, apesar de ser da maior relevância ouvir os jurisdicionados. Afinal, um dos pecados capitais da magistratura é viver encastelado, como deuses do Olimpo. Não fosse assim não seria tão alta a taxa de rejeição que goza na opinião pública.
Resolvi questionar num grupo de WhatsApp indagando se alguém conhecia o juiz. Para meu espanto a reação corporativista desse grupo tão democraticamente qualificado, me assustou. Primeiro tentaram desmoralizar a vítima, afirmando: Isso é choro de perdedor. Depois, enunciaram as qualidades do suposto agressor. E eu me lembrei que esse discurso vinha de mulheres que condenavam, como tem que ser condenado, reações machistas como: “Se foi estuprada é porque estava com roupas provocativas”, ou “Se apanhou é porque deu motivo”. Então uma senhora idosa, doente que recebe tratamento indigno e notifica, deve ser tratada assim? Quem terá coragem de mostrar essas mazelas? Vale como reflexão!
Maria Bourgeois, Anjo dessas pessoas desvalidas, continue na sua Guarda angelical, que enquanto eu estiver do seu lado ninguém a atingirá porque estou protegido com a armadura de Jorge, e seu trabalho deve continuar. Sarava!