Mulheres desrespeitadas.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a Democracia
O Batalhão de Choque da Policia Militar do Rio de Janeiro promove curso de defesa pessoal para mulheres. Seria louvável a iniciativa não fosse a contradição como são tratadas por policiais as mulheres pobres da periferia e das favelas. O combate à violência nunca é eficaz quando o instrumento utilizado é outra forma de violência. É muito preocupante o aumento do número de ações distribuídas nas Varas de Violência Doméstica em razão da malsinada violência de gênero. Em tempos de ódio espalhado nas redes sociais é fácil entender que os nervos de todos andam à flor da pele, mas infelizmente não é um mal costume exclusivamente de nossa sofrida sociedade.
A Espanha, onde também é grande a cultura machista, preocupa-se como enfrentar o assassinato de 1000 mulheres por violência de gênero desde 2003. Lá como aqui, a violência é ainda maior contra as crianças e adolescentes, computando aquele país da Europa, desde 2013 a morte de 28 menores e 243 órfãos contra 30 assassinatos diários no Brasil conforme informe do Datasus que só em 2015 registrou 10,9 mil homicídios de crianças e adolescentes. Segundo a Fundação Abrinq o número de assassinatos de menores no Brasil mais do que dobrou nos últimos 15 anos.
A Espanha registra 57.000 medidas de proteção policial às mulheres e mais 1200 casos de proteção por dispositivos eletrônicos, enquanto o Brasil anotou só no ano de 2018 300 mil medidas protetivas às mulheres ameaçadas. Ainda assim essa cultura machista é em muitos casos invisível porque nos acostumamos diante dessa calamidade a achar normal essa e outras formas de violência. Quando aplaudimos a distribuição de armas para a população. Quando pleiteamos a redução da responsabilidade penal. Estamos buscando formas violentas de justificar toda essa cultura de violência.
Educar para a paz é um princípio que não pode faltar no processo de transformação dessa cultura machista que fecha os olhos para essas cifras genocidas. Contudo temos que refletir que estamos diante de uma anomalia que temos que desmascarar para poder combater com eficácia.
Não é diferente a situação das mulheres em Marrocos, onde a metade da população feminina sofre violência de gênero e estima-se que apenas 6.6% das vítimas denunciem sua situação às autoridades e pedem proteção. A tradição marroquina considera que: “Uma cabeça com véu não é o mesmo que uma cabeça sem véu. E o véu da mulher é seu marido. É isso que a faz respeitável”. Ainda que veladamente, essa cultura não é diferente em outros lugares do planeta, apenas, há um disfarce mais sofisticado nas sociedades mais desenvolvidas, mas a cultura machista é a mesma.
Somente desenvolvendo uma cultura de respeito mútuo e igualdade poderemos avançar e alcançar um novo modelo social de convivência entre os iguais em nossas diferenças. Uma mudança de regras em nossa cultura se impõe para que todos ganhemos, homens e mulheres que não descriminam ninguém e permite que todos sejamos livres e iguais, construindo um futuro com base no respeito à dignidade das pessoas humanas, princípio base que elegemos em nossa Constituição.