NOTA PÚBLICA SOBRE A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA MAGISTRATURA NO LAWFARE CONTRA MAGISTRADOS
O Núcleo RJ da AJD — Associação Juízes para a Democracia — manifesta preocupação diante de recentes instaurações de procedimentos administrativos indevidos e decisões administrativas que condenam a penas desproporcionais magistrados com marcante história na luta pelos direitos humanos e alinhados à corrente chamada “garantista” da hermenêutica jurídicas.
São decisões que soam como perseguição e discriminação, o que é inaceitável num Estado Democrático de Direito. Não por acaso, manifestas decisões de punição seletiva de magistrados com esse perfil pelos órgãos administrativos do Poder Judiciário já foram objeto de apresentação à CIDH — Comissão Interamericana de Direitos Humanos —, como no conhecido caso de “Pinheirinhos”, levado a conhecimento no 162º período de sessões da CIDH, em 24 de maio de 2017, em Buenos Aires, Argentina, tendo como proponentes a Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh, Associação Juízes para a Democracia (AJD), Due Process of Law Foundation, Artigo 19, Conectas Direitos Humanos e Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim.
Outro exemplo marcante apresentado à CIDH (caso 12.718, 30 de setembro de 2021) diz respeito ao magistrado Humberto Cajahuanca Vásquez em face da República do Peru, afastado do cargo de Juiz do Tribunal Superior de Justiça de Huánuco, por decisão em processo disciplinar que apresentava grave violação das garantias judiciais do referido magistrado.
Ao analisar o caso, a CIDH levou em conta os componentes das garantias judiciais aplicáveis aos processos disciplinares contra juízes: o princípio da legalidade e o princípio pro homine, além da independência judicial e o direito de contar com decisões fundamentadas, o direito a recorrer da decisão e a proteção judicial. A Comissão observou que os fundamentos previstos na lei aplicados no caso do magistrado Cajahuanca Vásquez eram muito amplos e não se referiam a condutas específicas repreensíveis disciplinarmente. Além disso, a CIDH observou que o marco regulatório não distinguia as sanções aplicáveis de acordo com o nível de gravidade dos fundamentos previamente definidos, de modo em que a autoridade disciplinar teria elementos para garantir que a sanção imposta fosse proporcional à gravidade da conduta repreensível do juiz, e não o fez. Além disso, o órgão disciplinar peruano optou por aplicar a norma mais desfavorável ao magistrado, concluindo de forma absolutamente desproporcional pela sanção mais severa.
Por outro lado, a CIDH considerou que a norma vigente na época não permitia identificar nitidamente elementos como o dolo ou a gravidade de atos contra a imagem do Poder Judiciário ou a dignidade de seus membros.
Tendo em vista todas estas circunstâncias, a Comissão Internacional de Direitos Humanos considerou que a decisão disciplinar apenas limitou-se a indicar que a conduta do magistrado Cajahuanca Vásquez teria sido grave, com o descumprimento de deveres essenciais, e sem a necessária fundamentação concluiu por seu afastamento do cargo.
O exemplo do caso Cajahuanca Vásquez é emblemático e serve de alerta. Neste contexto, decisões administrativas disciplinares desproporcionais que impõem o afastamento de magistrado de suas funções, optando de forma seletiva pela sanção máxima prevista em lei, são extremamente graves e não podem passar despercebidas. Esta seletividade demanda urgente reparo e forte reflexão sobre os motivos de tais opções reiteradas de violação dos direitos humanos e das garantias da magistratura.
Manifesta-se, então, o Núcleo RJ da AJD no sentido de que seja formada uma comissão independente para a análise de tais casos em dissonância com as decisões da CIDH, como forma de detectar os motivos da política de punição seletiva praticada por muitas instituições de controle da magistratura.
Inaceitável numa sociedade que se pretenda democrática que ainda exista qualquer forma de insegurança dos magistrados e das magistradas que prolatam decisões harmônicas com os direitos humanos e são por lei protegidos de suas decisões, palavras e votos. O exercício do poder disciplinar se destina a controle e correção indispensáveis no Estado de Direito e nas democracias. Não pode se prestar à sanha punitiva ou ao aniquilamento da independência judicial e à liberdade de expressão dos juízes.
Democracia se constrói com a análise forte do esgarçamento das estruturas das instituições vigentes sem que haja escolha seletiva dos punidos e sem que se enxergue diferenças entre casos idênticos de perseguição aos magistrados.