O dia que a casa caiu – por Siro Darlan

COLUNISTASO dia que a casa caiu – por Siro Darlan  MAZOLA1 hora ago 0  6 min read  22370

Por Siro Darlan –

Série Presídios V.

Escreveu o poeta e cronista Maxwell Borges de dentro do presídio onde se encontrava: “A certeza de um futuro incerto. A tristeza tomando conta de meu ser. Lágrimas, choro, medo e saudades. A despedida de um até breve, sem data marcada para o reencontro. Coração em pedaços, todos os sentimentos e solidez construídas durante toda uma vida, ruindo diante de mim como reação em cadeia de peças de dominó. O que me resta? Apenas a esperança de no retorno encontrar as peças espalhadas e coloca-las em seu devido lugar.”

Ao apresentar o livro de poesias de presos, o maior poeta brasileiro da atualidade Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras, escreveu: “E é como se cada um destes poetas no cárcere bradasse: lembrem-se de nós, somos vivos, existimos, sonhamos e amamos. E sentimos na pele a dor da liberdade, mais do que muitos que vivem no ar tão civilizado, com o sabor das manhãs entre árvores ou na luz. E são almas que se recuperam e duram atrás das grades.”

Essa série tem se dedicado a dar voz àqueles privados de liberdade que bradam por seus direitos, uma vez que rigorosamente estão privados apenas do direito à liberdade, mas todos os demais estão mantidos, inclusive o da livre expressão do pensamento. Por essa razão passo a transcrever o grito de justiça de um interno conforme assegura as Regras de Nelson Mandela quando dita que: “Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade do ser humano. Nenhum recluso deverá ser submetido a tortura ou outras penas ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos reclusos, do pessoal do sistema prisional, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada”.

As Regras de Mandela asseguram ainda que: “Todo o recluso deve ter o direito de fazer um pedido ou reclamação sobre seu tratamento, sem censura quanto ao conteúdo, à administração prisional central, à autoridade judicial ou a outras autoridades competentes, incluindo os que têm poderes de revisão e de reparação”. Portanto ouçamos o que reclama o interno H.C.S. interno do Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio de Janeiro.

Quando eu saí em direção ao portão... Nelson Mandela - Pensador

“Assunto: Representação.

Eu, H.C.S. brasileiro divorciado, RG nº XXXXXXXXXX, filho de J.P.S e B.O.P. me encontro privado de minha liberdade nesta unidade.

Venho por meio deste, muito respeitosamente, recorrer junto à Vara de Execuções Penais para representar contra o Diretor desta penitenciária e o funcionário Senhor A., por estarem cerceando os direitos dos presos.

Pois como todos nós sabemos o direito á assistência religiosa está previsto em nossa Constituinte Federal, artigo 5º, vide também artigo 41 da Lei 7.210/84 (LEP).

Mas esta administração estão (sic) infringindo a lei e praticando abuso de poder, crime previsto no código penal brasileiro e no C.I.P, com pena de reclusão de um ano a quatro anos.

Pois a Galeria A-4 foi projetada para abrigar 64 internos, mas encontra-se superlotada, com aproximadamente 120 presos, e o Diretor dessa unidade só permite assistência religiosa para 10 internos de cada Galeria, cerceando o direito dos demais, contrariando a Constituição Federal de 1988, que não limita números, vide artigo 41 da LEP.

No dia 02/02/2023, o Senhor A. adentrou à galeria A-4, falou que só ia sair 10 internos para assistir o culto religioso, e ele mesmo escolheu as celas que iriam sair, não abriu a minha, quando eu argumentei que eu também tenho direito e que ele estava praticando abuso de poder. Ele me ofendeu com palavras de baixo excalão (sic) e ainda me aplicou parte disciplinar.

E fiquei no isolamento por 11 dias no relento, em uma cela insuficiente para manter nossa higiene pessoal, e alimentação racionada. Pois eles fornecem 2 litros de leite para dividir prá 60 internos. E constantemente falta etapas de alimentação.

A lei determina que a preventiva no isolamento é no máximo 10(dez) dias, mas aqui, eles não respeitam a lei, e a preventiva varia de 10  a 12, dependendo se finalizar sábado ou domingo, ou seja, neglig~encia e abuso de poder.

Em virtude da falha da segurança desta unidade e por negligência da secretaria do Sistema Penitenciário, três presos conseguiram fugir desta penitenciária, lembrando que foi divulgado por toda a imprensa que no momento da fuga só havia 5 (cinco) funcionários no plantão.

Ocorre que eles estão aplicando punição coletiva, violando assim a lei &.210/84, em seu artigo 45 parágrafo 3º, onde transcreve que são vedadas as punições coletivas.

Restringiram a visita íntima, o banho de sol no campo, o direito à informação, tendo em vista que apreenderam todos os aparelhos de televisão, e rádios. Restringiram até o direito à alimentação, pois fecharam a cantina e não temos como melhorar as nossas refeições e a comida que nossos familiares trazem nos dias de visita, a parte que sobra está sendo apreendida, ou seja, não podemos levar para nossas celas. Ocorre que alimento fornecido pelo Estado é de péssima qualidade, imprópria para o consumo e não tem o mínimo de substância.

Conclusão.

Por todo exposto é a presente para recorrer junto a este órgão fiscalizador da execução penal, e solicitar a máxima atenção, e requerer que no uso de suas atribuições legais, venham tomar as providências devidas para que não continue ocorrendo tais abusos de poder e cerceamento de direitos.

Aproveito a oportunidade para solicitar a Vossa Excelência, que em sua próxima visita mensal, eu seja entrevistado.

Certo que serei atendido, desde já antecipo meus agradecimentos.

Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2023.

Atenciosamente.

H.C.S.

OBS: Cópias deste documento seguiram para Comissão de Direitos Humanos Nacional, CNJ, Conselho Penitenciário, e algumas empresas de jornalismo.”

Concluo esse capítulo com mais um poema, dessa vez do poeta com mente livre Washington de Oliveira:“O meu anjo Gabriel é o mensageiro de Deus.E o meu anjo Miguel que sempre me protegeu.Muito obrigado jesus pelo amor do perdão.Muito obrigado Senhor por sempre me dá a mão.”

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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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