Foto: Divulgação da Fundação Santa CabriniDESTAQUES, ESPECIALO Estado Criminoso VII – por Siro Darlan MAZOLA, 2 dias ago 0 9 min read 21489
Por Siro Darlan –
Série Presídios XXI.
“A tirania é um hábito; tem seu próprio desenvolvimento e, enfim, se converte em doença. Acredito que o melhor dos homens pode abrutalhar-se e embotar-se por hábito, até chegar ao nível de um animal. O sangue e o poder embriagam: desenvolvem-se a grosseria, a perversão, os fenômenos mais anormais se tornam acessíveis e, por fim, doces ao intelecto e ao sentimento. O homem e o cidadão morrem para sempre no tirano, e apara ele se torna quase impossível retornar à dignidade humana, ao arrependimento, ao renascimento.”
Fiódor Dostoievski. Recordações da Casa dos Mortos
“Do lado de fora dos muros, outra grande exploradora dos egressos e presos dos regimes semiaberto e aberto, é a CEDAE, empresa conveniada a Fundação Santa Cabrini. Quando pisou na rua pela primeira vez depois de 19 anos preso, no final do ano de 2023, Petrus estivera lá pessoalmente na sede da Estação de Tratamento de Águas do Guandu, em Nova Iguaçu, buscando uma entrevista para uma vaga de emprego. Se viu obrigado a ter que ir lá pessoalmente, mesmo sem ter conseguido marcar entrevista por telefone, tarefa que concluiu ser impossível, uma vez que eles nunca atendem o telefone. Teve que sair de casa às quatro horas da manhã, pra chegar lá às oito e meia, e depois de ter recebido autorização para passar da portaria, fora atendido em pouco mais de um minuto, pra voltar para casa sem resultado algum. Só fora possível naquela ocasião deixar seus dados e número de contato com uma atendente.
Depois disso, Petrus esteve em contato com dois amigos que conhecera na cadeia e agora ocupavam cargos dentro da CEDAE do Guandu. Por um deles que havia se tornado presbítero de uma igreja evangélica, usava uma tornozeleira eletrônica e era encarregado na sua função junto às vans, ficou sabendo que a CEDAE não assina carteira, não aceita atestado médico em caso de doença e só paga por dia trabalhado, que na ocasião era de plantão de dois dias de trabalho seguido por dois dias de folga intermitentemente, de modo que durante um mês só se podia trabalhar por quinze dias, só se recebia por quinze dias e o salário não era integral, ou seja, vinha com o maldito pecúlio (que quase ninguém recebe) descontado. O mesmo amigo ainda acrescentou que só se podia começar a tentar receber esse dinheiro, quem progredisse ao regime aberto ou ganhasse liberdade condicional, mas que era quase impossível receber, mesmo assim.
A grande maioria desiste diante das inúmeras dificuldades levantadas pelas administradoras do trabalho do preso: a CEDAE e a Fundação Santa Cabrini, que mantém entre si não somente um convênio mas uma cumplicidade criminosa que, literalmente rouba o dinheiro que todo preso classificado em atividades laborativas, ou seja, todo preso que trabalha dentro e fora das cadeias deveria receber, segundo o que determina o artigo 39 do Código Penal Brasileiro – artigo que se pode descumprir livremente sem ninguém ir preso, sob a vista Grossa do Judiciário.
Imaginem que 10% dos 52 mil presos do Estado do Rio de Janeiro trabalhem nos presídios, ou seja, 5 mil e 200 presos que deveriam receber em mãos três quartos do salário mínimo, sendo uma quarta parte depositada para o pecúlio que o preso também deveria receber assim que saísse de liberdade ou pusesse os pés na rua. Seriam mil e trezentas (salário mínimo) vezes cinco mil e duzentos (presos), que daria um total de 6 milhões 760 mil reais por mês de desvio infinito.
Enquanto o desgraçado do preso come uma maldita quentinha de lingüiça em decomposição; se veste como um mendigo, com roupas sujas e rasgadas; tem o dever de andar barbeado o tempo todo e faz o possível pra isso, até usar lâminas que outros presos usaram para depilação genital; usam chinelos havaianas amarrados com arame, concertados com um prego tirado da vassoura ou queimados e colados com isqueiro. Somente uma minoria seleta de privilegiados não fazem parte desse quadro, esses recebem suas visitas regularmente, andam limpos, com roupas novas e não precisam trabalhar, não dependem totalmente do Estado para sobreviver como a maioria. Isso para citar apenas os valores desviados pela Fundação Santa Cabrini, sem mencionar o valor repassado mensalmente pelo Estado à própria SEAP para administrar o preso. Dinheiro esse que tem servido para enriquecer toda espécie de safado que recebe um cargo graduado na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
Quanto ao trabalho interno mesmo não sendo remunerado, há um verdadeiro festival de vendas de classificação em atividades laborativas, ou seja, o preso que pode pagar, pode remir sua pena. No Bangu IV chegou haver interno classificado para a função de gandula do campo. Muitos eram funcionários fantasmas na época que a Santa Cabrini ainda pagava ao preso na cadeia pelo trabalho exercido. Os agentes penitenciários classificavam muitos presos sem eles saberem, assinavam no lugar deles e recebiam no lugar deles. O maior safado dessa época se chamava seu Da Silva, u careca tranqüilo que não entrava no caminho do preso, mas recebia no lugar de muitos deles e ainda vendia classificação para quem queria remir sua pena.
Isso era feito naquela época e ainda é uma realidade em 2023, apesar da Santa Cabrini não pagar mais os presos, com exceção de alguns milicianos, ex-policiais e integrantes de grupos de extermínio que trabalham vestidos de verde na frente das cadeias. Essa deve ser a recompensa que recebem por terem feito um bom trabalho para o Estado criminoso que age segundo seus próprios interesses – não se trata do Estado paralelo, mas sim do oficial, o mesmo outrora chefiado por Sérgio Cabral, Pezão e Wilson Witzel o matador de “terroristas”, o homem que supostamente gastara 28 milhões dos cofres públicos para instalar câmeras em todo o Sistema Penitenciário carioca.
Câmeras essas, que nunca funcionam quando o preso é espancado pelos guardas, deixam de filmar quando um preso que o juiz da VEP concedeu a saída temporária é impedido pela SEAP de sair, enquanto sua assinatura de saída e de chegada é forjada por um maldito impostor; câmeras que não filmaram a fuga de três presos na penitenciária Lemos Brito, não filmou o espancamento dos que não fugiram nem os abusos praticados contra todos os presos feitos de bode expiatório pela fuga que ocorrera pela incompetência e corrupção da SEAP.
Voltando ao tema trabalho, além do comércio de classificação para o preso que quer remir sua pena, Petrus descobriu que há um comércio semelhante de cartas de emprego para presos que como ele batera nas portas da CEDAE para pedir uma vaga. Custam de três mil a seis mil reais uma carta de emprego para presos em regime semiaberto que precisam voltar a trabalhar, na hipótese do juiz lhe conceder o benefício extramuros. Quem pode pagar não permanece preso.
Justiça? Qual? Onde? Petrus convenceu-se, ou foi convencido pelo Estado criminoso (o oficial) que essa tal não existe na Terra, muito menos no Brasil, muito menos no Rio de Janeiro e muito menos no Complexo Penitenciário de Gericinó. Justiça só haverá quando o Messias vier para instaurar seu reino de justiça e paz – que o leitor nos perdoe se não compartilha desta crença, todavia, se nos faltar essa justiça, não há no presente nem haverá no futuro nenhuma outra -, mas a SEAP não crê num messias, seu deus é outro, seu nome é Mamom o deus do dinheiro. Quem tem dinheiro pode até ser bem tratado na cadeia. A um alto custo um preso pode se alimentar bem com o que é vendido na cantina, pode ter seu próprio telefone, uma televisão LCD, seu rádio potente com entrada USB, alguma dignidade, algum respeito…, mas se não puder pagar, se não tiver dinheiro, será só mais um número que somado a outros números semelhantes, se tornam relevantes somente quando se trata da verba repassada pelo Estado para a Secretaria de Administração Penitenciária – nesse caso se torna verdadeiro o ditado “quando o diabo não vem, manda o secretário”.
Todavia, como estamos no meio de uma ascensão ideológica feminista, temos mesmo uma Secretária, co todos os atributos de uma verdadeira representante de satanás (sem ofensa ao Príncipe deste Mundo), por ordem de quem se pôs mais de vinte presos no Bangu I (espécie de RDD temporária, com suspensão total de todos os direitos, exceto advogado e alimentação), acusados do “crime” de não terem impedido a fuga dos três presos que fugiram no dia 29 de janeiro de 2023, sendo o Sr. Rodrigues o Diretor da Unidade Prisional Lemos Brito – coincidentemente o mesmo Diretor de outra Penitenciária localizada em Japeri, quando da fuga de vários outros presos da mesma facção dos que fugiram do Lemos Brito.
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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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