François La Rochefoucauld

Por Vladimir Cavalcante.



 



Acompanhado de uma difícil tarefa, lá fui eu para um show do Jorge Aragão. Um refrão me chamou atenção: “estava escrito num papel de pão, não me procure, nosso amor chegou ao fim”. A vida nos reserva surpresas e voltas que não cabem numa roda, por mais gigante que ela seja. Entre elas, paradoxos inexplicáveis. Do contrário, qual o caminho a tomar na compreensão do caso envolvendo Siro Darlan e sua aposentadoria, após décadas de serviços prestados a defesa dos mais vulneráveis da sociedade, em especial das crianças e adolescentes?



Um profissional que exerce o juízo, decide sobre a lei que será aplicada em nós, mortais. Trata-se de uma superlatividade intransponível no plano terreno, a ponto de gerar uma legião de descontentes. A lei incomoda muita gente, há o ditado sobre a “justiça dos homens e a justiça de Deus”. Se a dos homens é falível, a de Deus é tão imperscrutável quanto a poeira cósmica dentro de uma Nebulosa nos céus. O desejo de vingança na direção desses poderosos é enorme. As disputas no interior do sistema judiciário seguem uma lógica atávica, a prioridade é de herdeiros do sistema. Dificilmente um advogado sem linhagem, sem posses e sem fazer parte do círculo de casta ganhará destaque. O então Desembargador Siro Darlan foi uma exceção a essa regra. Tive a oportunidade de ler sua biografia, o que é bem menos do que realizar uma ação mais investigativa. O que poupou desse gasto de tempo foi ter acompanhado sua vida como testemunha, pelos jornais. Trata-se de um caso linear, bastante coerente com suas convicções e que as praticou em prol das vítimas da lei.



Ao fim de um ciclo de atuação bem acima da média, quase termina a vida nos tribunais como mais uma vítima dessa própria lei. E o mais curioso disso tudo, pelo simples descuido daqueles que intencionalmente operam para produzir resultados condizentes com seus interesses pessoais, praticar desleixadamente jurisprudências sem o cuidado que a vida humana exige e executar mais uma página especulativa, fundamentada em incertezas sem as devidas materialidades processuais. Esse país vai mal das pernas em diversos aspectos, não estranhem. Uma vítima a mais, uma vítima a menos, se torna só mais um número, numa montanha deles.



Após idas e vindas de um processo que beira a factoides, incluiu a acusação de venda de um Habeas Corpus para um presidiário a beira da morte, que aliás morreu, logo após ter sido autorizado a se tratar domiciliarmente. Um preso não está – ainda – condenado a pena de morte, procedimento inexistente em nossa Constituição. Dessa acusação não caberia uma punição, dada ao farto material comprovatório da necessária atuação favorável ao prisioneiro em questão.



É real, não há humano sem crime, pecado ou castigo. É real, uma legião de inocentes ou portadores de delitos menores são severamente punidos, por um modo de atuação precarizado de nossa sociedade. Quando até mesmo um Desembargador, da envergadura do Siro Darlan, contando com todo o aparato e preparo para se defender tem seus direitos básicos atingidos, é sinal de que as coisas não andam muito bem em nosso sistema judiciário. Para minha alegria, essa história de terror termina com final feliz. A questão que me coloquei é de quantos casos não terão a mesma sorte. Sem dispor de dados concretos e métricas quanto a essa pergunta subjetiva, desconfio que a grande maioria.


Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, foi aposentado compulsoriamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em março de 2023, após ser acusado de irregularidades, incluindo a concessão indevida de um habeas corpus a um réu ligado ao crime organizado, que era defendido pelo escritório de advocacia de seu filho[1][2][5]. A decisão foi unânime, considerando que suas ações comprometiam a imagem do Judiciário.


Darlan, que teve uma carreira marcada por polêmicas e uma defesa ativa dos direitos das crianças e adolescentes, alegou ser vítima de perseguição devido a suas decisões controversas[2][4]. Ele foi investigado anteriormente por suspeitas de corrupção, mas algumas acusações foram arquivadas pelo Supremo Tribunal Federal[2][3].


Recentemente, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a aposentadoria compulsória, questionando a validade das provas usadas contra Darlan, o que gerou novas discussões sobre sua situação[3][6]. Essa reviravolta levanta questões sobre a integridade do sistema judiciário e o tratamento de magistrados em casos de acusação de impropriedades[4][5].


Citations:



[1] Desembargador Siro Darlan é aposentado compulsoriamente https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2023-03/desembargador-siro-darlan-e-aposentado-compulsoriamente



[2] CNJ decide por aposentadoria compulsória de Siro Darlan – G1
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/03/14/cnj-decide-por-aposentadoria-compulsoria-de-siro-darlan.ghtml



[3] Lewandowski suspende aposentadoria compulsória de …
https://www.conjur.com.br/2023-abr-06/lewandowski-suspende-aposentadoria-compulsoria-desembargador/



[4] Desembargador é aposentado compulsoriamente por quebra de …
https://www.cnj.jus.br/desembargador-e-aposentado-compulsoriamente-por-quebra-de-imparcialidade-em-decisao/



[5] entenda por que o desembargador Darlan foi aposentado …
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2023/03/16/entenda-por-que-o-desembargador-darlan-foi-aposentado-compulsoriamente-pelo-cnj.htm



[6] Lewandowski suspende aposentadoria compulsória de Siro …
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/04/05/lewandowski-suspende-aposentadoria-compulsoria-de-siro-darlan.ghtml



[7] CNJ aposenta compulsoriamente desembargador do TJ do Rio – Conjur
https://www.conjur.com.br/2023-mar-15/cnj-aposenta-compulsoriamente-desembargador-tj-rio/



[8] um defensor inabalável dos Direitos Humanos e da Justiça Social https://blogdosirodarlan.com/brasileiro-com-muito-orgulho-siro-darlan-um-defensor-inabalavel-dos-direitos-humanos-e-da-justica-social/



 



O texto reflete sobre a aposentadoria compulsória do desembargador Siro Darlan, destacando sua trajetória na defesa dos vulneráveis, especialmente crianças e adolescentes. O autor menciona a complexidade do sistema judiciário e os paradoxos que cercam a justiça, questionando as motivações por trás das decisões judiciais.



Darlan, uma exceção no judiciário, enfrentou um processo administrativo que culminou em sua aposentadoria. Ele foi acusado de conceder um habeas corpus a um réu ligado a milícias, defendido por seu filho, sem verificar a situação legal. Apesar de sua atuação em prol da justiça, a decisão do CNJ foi unânime, alegando que suas ações comprometiam a imagem do judiciário.



O texto também aborda a fragilidade do sistema, onde até figuras de destaque podem ser vítimas de injustiças. O autor conclui com a esperança de que Darlan tenha um final feliz, mas questiona quantos outros casos semelhantes não terão a mesma sorte.



































Publicação: 1     



Data de Disponibilização: 27/08/2024
Data de Publicação: 28/08/2024



Jornal: Tribunais
Superiores



Tribunal: SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL



Vara: PRESIDENCIA



Seção: DJ Seção Única



Página: 00001




AO 2843 AO-AgR



AGRAVANTE (S) SIRO DARLAN DE OLIVEIRA ADVOGADO (A/S) OAB´s
(00757/PE, 76531/DF) Walber de Moura Agra AGRAVADO (A/S) Conselho Nacional de
Justiça – Cnj PROCURADOR (ES) Advogado-geral da União


 


Acórdãos 1ª Turma


AO 2843 AO-AgR 2024-08-27T19: 00: 06


Decisão: A Turma, por unanimidade,
negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.
Primeira Turma, Sessão Virtual de 16.8.2024 a 23.8.2024.
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NA ACAO ORIGINARIA. DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PENAL. ATO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSORIA IMPOSTA A DESEMBARGADOR DE TRIBUNAL DE JUSTICA.
INEXISTENCIA DE HIPOTESES DE PRESCRICAO E IMPEDIMENTO. INVIABILIDADE DO REEXAME DO CONJUNTO FATICO-PROBATORIO. EXCEPCIONALIDADE DA REVISAO DE ATOS DO CNJ QUE NAO SE VIABILIZA NO CASO EM ANALISE. MANUTENCAO DA DECISAO AGRAVADA POR SEUS PROPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I    Inexistindo qualquer enquadramento da conduta do agravante no tipo penal de advocacia administrativa, mostra-se correta a decisão do CNJ que afastou a viabilidade da contagem do prazo prescricional a partir das disposições do Código Penal. O STF já decidiu que, apenas quando capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da correspondente ação disciplinar deve ter como parâmetro aquele estabelecido na lei penal.



Prescrição, pois, que não se configura.


 


II    A previa participação de magistrado no julgamento da ação penal não é causa de impedimento para deliberar no procedimento administrativo disciplinar, comportando o disposto
no art. 252, III, do Código de Processo Penal, interpretação restritiva. Impedimento, pois, que não se configura.


III    Decidir de modo diverso ao que ficou estabelecido pelo CNJ demandaria completo revolvimento de fatos e provas, o que não se justifica no caso.


 


IV O Supremo Tribunal Federal não e instancia revisora das decisões do Conselho Nacional de Justiça em casos de punições impostas a magistrados, devendo atuar somente quando houver inobservância do devido processo legal e manifesta desproporcionalidade do ato impugnado.


V    Decisão agravada que se mantem por seus próprios fundamentos.
VI    Agravo regimental ao qual se nega provimento.
Publicação Legada do DJe


Min. Cristiano Zanin


decisões-acl: 193437


Publico