O Moises do CRAD de Del Castilho.
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação juízes para a democracia.
Não é de hoje que crianças são abandonadas, encontradas, abrigadas, adotadas, desamadas e amadas. Os irracionais não abandonam suas crias, humano sim. Muitos são os que mesmo acolhidos em suas famílias passam a vida inteira abandonados e nunca são adotados pelos pais biológicos. A história conta diversos casos de crianças perseguidas e abandonadas. A mais famosa é a de Moises, cuja mãe biológica vendo ameaçada a vida do bebê, coloca-o numa cestinha no Rio Nilo e sendo encontrado pela esposa do Faraó que o acolhe, ama e adota como herdeiro.
Essa criança muda a história da humanidade e conduz o seu povo à Terra Santa, salvando-o do cativeiro. Conheci a obra do CRIAD de Del Castilho. Sendo cristão não professo a mesma confissão desses personagens. Mas isso não muda em nada a qualidade dessa obra de caridade. Os pastores Celio e Michelle, dedicam-se ao apostolado com vítimas do abandono social das pessoas que se tornaram dependentes do crack. Tive a oportunidade de conhecer esse trabalho visitando com eles cracolândias onde as vítimas são convidadas a serem acolhidas na casa de seus bem feitores.
Na Casa dos Missionários visitei 140 pessoas, entre homens, mulheres, jovens e idosos, crianças e adolescentes. Nenhuma verba pública, mas toda dignidade. Todos têm alimentação casa, cuidados e trabalho. A pobreza é gritante, mas com dignidade e respeito. As portas sempre abertas tanto para entrar mais gente, quanto para sais. Crianças brincam felizes em meio a essa grande família que se ajuda mutuamente e se confraterniza nessa imensa aldeia abençoada pelo amor entre todos.
Conheci Moises, uma criança de apenas 4 anos, sem registro civil, cuja mãe vítima do crack ia e vinha quando lhe convinha. Mais ia que vinha, e nos intervalos gerava mais uma criança. Imediatamente foi providenciado na Justiça Itinerante o registro de nascimento de Moisés. Moises fora acolhido com sua mãe que tentada pelo vício voltara a cracolândia, mas Moises que aqui chegara em sua cestinha, vivia como um príncipe, cercado de cuidados e de amor.
De repente aqueles representantes do Estado que lhe voltara as costas por ausência de políticas públicas, por falta de cuidados á sua mãe, igualmente abandonada ao seu próprio e infeliz destino, invade com um mandado judicial levado por um oficial de justiça acompanhado de um policial e arranca Moises dos braços de seus “pais afetivos” para conduzi-lo ao um abrigo. Oficialmente chama-se entidade de acolhimento. Mas a cena é de violência e crueldade. Moises é arrancado chorando e esperneando, sem qualquer cuidado porque estaria em “situação irregular”. Ora desde 1990 que está em vigor outra doutrina a da proteção integral, escrita do Estatuto da Criança e do Adolescente. Onde Moises estava em proteção integral? No lar de onde foi arrancado no qual vivia com amigos, brinquedos, alimentação, afeto e cuidados ou no abrigo prisional onde viveria em meio a estranhos e trancafiado?
Um grande equívoco que se repete muitas vezes ainda em plena era da proteção integral, onde deve prevalece o interesse superior da criança e não a vaidade e o arbítrio que autoriza arrancar uma criança de seu meio social e acolhedor para aprisioná-lo em frios e nada receptivos abrigos. Felizmente aproxima-se o final feliz com o resgate de Moises por seus familiares para que volte a viver na Terra Prometida onde haverá calor humano, cuidados e respeito a seus direitos fundamentais.