Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes para a democracia.

 

É sempre muito bom um banho de cultura para oxigenar o pensamento e acreditar cada vez mais que é possível uma transformação pela educação. A França, berço da democracia moderna e que traz em sua história a mácula do escravagismo promove em um de seus principais museus, o Museu D`Orsay, uma exposição de modelos negros e resgata alguns personagens que fizeram parte do desenvolvimento cultural do povo francês ao apresentar e identificar personagens presentes nos quadros de pintores como Géricault, Manet e Matisse.

Logo na entrada do Museu vê-se, com destaque os nomes em neon desses principais personagens Madeleine, Joseph, Laure são alguns que até então anônimos, ganham destaque na exposição através dos pincéis de famosos pintores. Fiquei emocionado e, particularmente orgulhos ao saber que os produtores fizeram pesquisas históricas para identificar modelos negros como José, originário de Santo Domingo e que na França trabalhava como acrobata, ficou imortalizado na obra de Théodore Gèricault que se encontra no Museu do Louvre com o nome de “A balsa da Medusa”.

Já Manet, logo após a abolição na França, em 1848, pintou o célebre quadro Olympia, exibindo uma jovem branca nua, onde aparece com destaque uma empregada negra ao lado da cama, cuja identidade era até então ignorada, mas que os produtores da exposição a identificam como “Laure, uma mulher negra muito bela” como o próprio Manet havia escrito numa caderneta de anotações. Em uma nova versão do quadro o artista americano Larry Rivers, em 1970, inverteu as posições pintando uma empregada branca e a outra personagem em destaque negra.

Outra peça em destaque é o quadro rebatizado como “Retrato de Madeleine”, que antes era chamado de “Retrato de uma mulher negra”, exposto no Louvre e de autoria de Marie Guilhemine Benoist. A exposição é uma viagem na presença negra na França e em suas colônias, mas traduz a importância de se debater a igualdade entre todos os seres do planeta independente que qualquer tipo de diferença, sobretudo em tempos de imigração, misturas e miscigenação.

Quando concluía essa reflexão, recebo a visita saudosa de uma antiga amiga, dos tempos das atividades intensas para salvar vidas abandonadas e maltratadas. Uyara, uma linda mulher negra que vivia nos anos 90 nas ruas do Rio de Janeiro espalhando sua arte, poesia e teatro entre os meninos e meninas de rua. Uyara encenou uma peça chamada “Meninos da Candelária” de autoria Aurea Charpinel onde contava os dramas do abandono desses infantes pelas ruas e logradouros públicos, vítimas do abandono familiar e da ausência total de políticas públicas inclusivas.

Uyara sumiu todos esses anos porque sua inteligência, cultura e força de trabalho não cabia numa única Cidade. Casou-se com um suíço e foi viver na Europa com sua família. O Rio de Janeiro ficou mais pobre sem Uyara. Mas, eis que ela volta nesse momento de tantas perdas de direitos e volta a iluminar as causas sociais. Benvinda Uyara, nós precisamos de você.