O Poder Judiciário brasileiro é racista. Parte II

COLUNISTASGERALO Poder Judiciário brasileiro é racista. Parte II  MAZOLA1 dia ago 1  4 min read  2479

Por Siro Darlan –

Leia também: O Poder Judiciário brasileiro é racista. Parte I.

Dando continuidade a essa série de artigos abordando o racismo no poder judiciário, não só as prisões de negros e pobres predominantemente no sistema penal brasileiro aposta para essa realidade, já expressamente afirmado pelo Ministro Barros do STF, mas as mortes de jovens negros entre 16 e 24 anos comprovam que essa categoria de irmãos foi eleita para ser excluída e exterminada pelas decisões judiciais que as homologa. Muitas vezes a pena de morte é decretada pelos juízes que levam ao sistema prisional pessoas doentes, ou que lá são infectados e morrem por falta de cuidados de saúde.

Essas mortes têm a participação do poder judiciário que na sentença priva-os apenas da liberdade, mas na prática retira todos os direitos fundamentais. Apesar de já ser realidade em muitos países do continente americano, o Brasil parece em busca de sua sina de ser o último do Ocidente a fazer necessárias transformações. A verdade é que o último país a abolir a escravidão segue a passos lentos por essa mudança tão necessária.

A despeio dos esforços feitos pelo Conselho Nacional de Justiça que reservou 20% das vagas nos concursos para negros, hoje, apenas 18,4% dos magistrados são negros ou pardos. A meta do conselho, em 2015, era sair de 18% para 22% de juízes negros em 10 anos. Agora, após 7 anos, o CNJ fez uma avaliação e viu que no ritmo atual esse índice só será alcançado em 2049. São medidas que precisam mudar a cara da magistratura. O olhar comum é de imaginar os juízes como alguém mais velho, loiro, alto. Essa imagem a gente só muda com o concurso público, com cotas para os negros e pobres.

No contexto descrito acima, ao descumprir o seu papel de garante da Constituição, o Poder Judiciário reduz o texto constitucional a uma promessa vazia.

Tal qual um Narciso às avessas, seu rosto masculino e branco é o reflexo do fosso entre os integrantes do Judiciário e a diversidade social brasileira.

O Judiciário também aprofunda a sua crise de legitimidade, quando adota decisões claramente inconstitucionais, como ocorreu no âmbito da Lava-jato; quando pune juízes que não se rendem ao populismo criminal e julgam conforme à Constituição; e, ainda, quando, condena, seletivamente, os veículos de jornalismo independentes, nos processos que envolvem os limites da liberdade de expressão, tão sagrada aos liberais e tão incômoda quando o roteiro é contra hegemônico.

Em cenário nebuloso, nunca é demais reafirmar o óbvio: não é tarefa do Judiciário o combate à criminalidade, tampouco a implantação de políticas públicas na área da segurança. Assim como escapa às suas atribuições, por óbvio, a censura. A função primordial atribuída constitucionalmente ao Poder Judiciário é o de limitar os excessos da atividade persecutória e da liberdade de expressão, assegurando que os direitos e garantias fundamentais sejam respeitados para que a democracia material se concretize. A relevância de seu papel contra majoritário demanda que não haja qualquer compromisso ou subserviência às maiorias de ocasião.

Na condição de um dos pilares do Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário tem o dever de colaborar com a redemocratização do país, a partir de sua reinvenção democrática.
Assim, sugere-se a superação do déficit de democracia do Poder Judiciário expressa-se em três dimensões, as quais desafiam profundas transformações. São elas: a) perfil dos magistrados; b) sistema penal e; c) acesso à justiça.

19. Pugna por uma política de desencarceramento.

A escalada punitivista reverbera a perda da solidariedade por parte de uma sociedade maniqueísta e sem qualquer senso de alteridade. A seletividade do Direito Penal opera como mecanismo estatal eficiente na contenção, exclusão e até eliminação dos indivíduos descartáveis, seja do ponto de vista racial, de classe ou político.

O enfrentamento dos movimentos que desejam o recrudescimento penal passa pelo resgate da política de alternativas penais; fomento às práticas restaurativas, que promovem responsabilização ao invés de punição e; fortalecimento do movimento de defesa do desarmamento e da descriminalização do comércio e consumo de entorpecentes.

Tais medidas, que por certo provocarão o desencarceramento em massa de um segmento social muito específico – o jovem, negro e pobre da periferia –, desafiarão a implementação de uma política ampla e eficiente para promover a inclusão social dos egressos do Sistema Penal.

Sobre a questão carcerária em si e o estado de coisas inconstitucional já amplamente reconhecido e declarado pelo Supremo Tribunal Federal, remete-se aos argumentos dos que desejam um sistema carcerário em conformidade com a Constituição e a Lei de Execuções Penais em respeito à dignidade da pessoa humana.


SIRO DARLAN –  Juiz de Segundo Grau do TJRJ, Mestre em Saúde Pública e Direitos Humanos, membro da Associação Juízes para a Democracia, conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo, conselheiro efetivo da Associação Brasileira de Imprensa, colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.