Tribuna da Imprensa Livre passa a narrar os abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia

Relatório da Missão de solidariedade é apresentado durante evento. (Crédito: AND)POLÍTICATribuna da Imprensa Livre passa a narrar os abusos contra os camponeses na luta pelo direito à terra e as ofensas aos Direitos Humanos praticados pelo governo de Rondônia  MAZOLA1 dia ago 0  14 min read  18484

Redação 

Relatório.

MISSÃO À NOVA MUTUM, PORTO VELHO, RONDÔNIA, COM O OBJETIVO DE AVALIAR AS CONDIÇÕES DOS CAMPONESES DAS ÁREAS TIAGO CAMPIN DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA DA LIGA DOS CAMPONESES POBRES – 25 A 27 DE OUTUBRO DE 2021.

1 – INTRODUÇÃO

Os conflitos agrários em Rondônia têm alertado as mais diversas organizações de Direitos Humanos do Brasil e do mundo, especialmente sobre o cerco de repressão aos camponeses que vem sofrendo atos de extrema violência, como as que ocorreram nas Áreas Ademar Ferreira, vizinho da Área Tiago Campin dos Santos, em 13 de agosto de 2021, quando uma incursão da Polícia Militar, Força Nacional de Segurança e pistoleiros, executou sumariamente, com dezenas de disparos de fuzil, três camponeses enquanto trabalhavam. Ações coordenadas entre forças estatais e grupos armados privados de latifundiários se intensificam com a movimentação de efetivos policiais nas proximidades das áreas com bloqueios de estradas e ações de terror contra cerca de 800 famílias (mais de 2.000 pessoas) que vivem nas Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira. Há meses os camponeses vêm sendo violentamente atacados.

As duas Áreas estão em zonas de intensos conflitos agrários, controladas por latifundiários com históricos em grilagens de terras públicas, como é o caso do “Galo Velho”, Antônio Martins dos Santos, devidamente citado no “Livro Branco das Grilagens” como grileiro de mais de 80.000 hectares de terras na região de Porto Velho/RO.

Após receber várias denúncias de violações de direitos, ameaças à vida dos camponeses das Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira pela Polícia Militar de Rondônia e Força Nacional de Segurança; o Conselho Nacional de Direitos Humanos, em reunião com diversas organizações de direitos humanos para tratar dos conflitos agrários em Rondônia, orientou para que se realizasse uma Missão de Solidariedade in loco a fim de verificar a situação dos camponeses das referidas Áreas.

A missão foi organizada pelo Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos/CEBRASPO e a Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta/ABRAPO e contou com a participação de entidades democráticas, de direitos humanos e sindicais, Ministério Público Federal, Ouvidoria da Defensoria Pública do estado de Rondônia e representante do Conselho Nacional de Direitos Humanos, num total de 18 organizações e 40 pessoas, no período de 25 a 27 de outubro de 2021.

2 – OBJETIVOS DA MISSÃO
O objetivo da Missão foi ouvir as denúncias dos camponeses do local, divulgar amplamente as denúncias das violações constatadas e apresentar aos órgãos do Estado um relatório da situação para que se tome providências que garantam os direitos dessas pessoas.

3 – PARTICIPANTES
1 – ABRAPO – Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Nacional)
2 – ABRAPO – Associação Brasileira de Advogados do Povo Gabriel Pimenta (Rondônia);
3 – CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Nacional);
4 – CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Rondônia)
5 – CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Paraná)
6 – Comissão de Direitos Humanos da OAB-RO;
7 – Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública de Rondônia;
8 – Ouvidoria Geral Externa da Defensoria Pública do Estado do Acre;
9 – CPT – Comissão Pastoral da Terra/RO e Assessoria de Imprensa da CPT Nacional;
10 – Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH;
11 – Procurador Federal Raphael Luís Pereira Bevilaqua – Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) do Ministério Público Federal em RO e Membro da Comissão Especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o Caso Urso Branco;
12 – Organização Internacional Advogados Sem Fronteiras;
13 – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de BH e Região – MARRETA;
14 – Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia – ExNEPe;
15 – Grupo BEM VIVER;
16 – RENAP – Rede Nacional de Advogados Populares-RO;
17 – DCE – Universidade Federal de Rondônia/UNIR;
18 – ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior;
19 – MOCLASPO – Movimento Classista em Defesa da Saúde do Povo;
20 – Jornal A Nova Democracia;
21 – DE OLHO NOS RURALISTAS – Observatório do Agronegócio no Brasil;
22 – Jornalista e Blogueira Luciana Oliveira e Bacharel em Direito, TV 247;
23 – Integrantes da União da Juventude Comunista/UJC-RO;
24 – Estudantes de Direito da UNIR;
25 – Professores da UNIR e IFRO, entre outros.

A Associação Juízes para a Democracia – AJD enviou saudações à Missão, não tendo podido participar diretamente, se comprometendo a apoiar os desdobramentos.

4 – BREVE HISTÓRICO DA SITUAÇÃO DAS ÁREAS TIAGO CAMPIN DOS SANTOS E ADEMAR FERREIRA

4.1. Área Tiago Campin dos Santos
A Área Tiago Campin dos Santos está localizada nas fazendas NorBrasil e Arco-Iris, em Nova Mutum, Distrito de Porto Velho/RO, faz parte de um grande latifúndio de mais de 57 mil hectares, cujo suposto proprietário seria a empresa Leme Empreendimentos Ltda, de propriedade de Antônio Carlos Martins (Galo Velho).

Essa área teve uma ação de reintegração de posse encerrada em 2017 (autos: 0012311.86.2014.4.01.4100 e 0003261-31.2017.4.01.4100 – 5ª Vara Federal do TRF1), processo devidamente arquivado e que prova que se trata de área de conflitos agrários desde o ano de 2014, cuja origem dominial não foi esclarecida e frente ao histórico do Galo Velho no Estado de Rondônia pode se tratar de área pública grilada.

Galo Velho (Antônio Carlos Martins), utilizando de empresas, como a Leme Empreendimentos, tem um histórico de grilagem de terras no Estado de Rondônia, constando constando na CPI da grilagem como grileiro do Lote São Sebastião, localizado em Porto Velho/RO, num total de 83.221 hectares de terras (fls. 361 do Relatório da CPI destinado a investigar a ocupação de Terras Públicas na Região Amazônica – 2001), entre outras grilagens devidamente comprovadas como as terras da região de Cujubim, onde hoje é o Assentamento Sol Nascente.

Em 23 de julho de 2020, “através da ação da Polícia Federal, Operação Amicus Regem” cumpriram-se mandados de busca e apreensão em endereços de investigados em Porto Velho (RO), Brasília (DF), Cuiabá (MT), São Paulo e Itaituba (PA) em busca de provas e bens de interesse das investigações contra empresários, advogados, servidores públicos e empresas envolvidas na formação de uma organização criminosa (ORCRIM) que conseguiu lucrar mais de R$ 330 milhões por meio grilagem de terras e fraudes no estado de Rondônia ocorridas entre 2011 e 2015. (…) ORCRIM seria liderada por Antônio Martins o Galo Velho, auxiliado pelo irmão dele, o advogado Sebastião Martins, pelo sócio Dorival Baggio e por seu filho José Carlos Gouveia Alves (também conhecido por José Carlos Gouveia Martins dos Santos). Além deles, havia a participação do então juiz federal Herculano Martins Nacif, do servidor da Justiça Federal Everton Gomes Teixeira e do perito judicial nomeado Paulo César de Oliveira, os quais praticariam atos para favorecer o grupo de Antônio Martins em processos de desapropriação.” (Disponível em: http://www.folharondoniense.com.br/geral/antonio-martins-o-galo-velho-e-um-dosalvos-daoperacao-da-policia-federal/. Acesso em 12/08/2020).

Esse fato, amplamente divulgado, reforça o caráter de grilagem de terras públicas com a conivência do Estado que esse senhor vem praticando há anos em Rondônia. Demonstra que Galo Velho não é fazendeiro ou proprietário de terras, mas sim, grileiro, organizado em quadrilha com a participação até mesmo de funcionários do Estado.

As grilagens de terras só são possíveis com apoio do aparato repressor do Estado e parece que essa proteção o Galo Velho tem recebido até então. Mesmo com uma operação policial desta envergadura, não foi ainda possível restituir as terras griladas pelo Galo Velho ao patrimônio da União.

A ocupação do imóvel pelas famílias camponesas da Área Tiago Campin dos Santos foi realizada em 22 de junho de 2020, de forma a pressionar o INCRA a resolver a situação do imóvel e dar, ao mesmo, a destinação correta.

No dia 24/07/2020 foi protocolado requerimento no INCRA/SR-17 solicitando acesso e cópia dos processos administrativos das fazendas para verificar a cadeia dominial da mesma e sua origem. Até o presente momento o INCRA não entregou e nem permitiu o acesso, se negando a dar as informações necessárias sobre o imóvel. (Processo administrativo n. 54.300.000774/2013-16).

No dia 03 de outubro de 2020 é assassinado perto da Área Tiago Campin dos Santos o policial da reserva Tenente José Figueiredo Sobrinho, no que passaram a acusar os camponeses (sem terras), sem qualquer prova concreta, de o terem executado. Nessa noite mesma, a referida Área foi cercada pela PM, que efetuou diversos disparos de arma de fogo, que resultou em mais um policial assassinado, o Sargento Rodrigues da Força Tática do 5º Batalhão da PM. Por fim, os corpos só foram retirados no dia 04 de outubro de 2020.

No dia 04 de outubro de 2020, utilizando-se de helicóptero, a PM dispara contra camponeses que estavam perto da Área, inclusive, vindo a atingir a moto de um pai de família que estava com sua esposa e filho no veículo, tendo sofrido somente algumas escoriações. Os camponeses se protegem e o isolamento da Área é feito. Não há questionamento sobre o motivo do policial da reserva estar na área de conflito, pois a alegação de que estaria pescando é muito pueril, já que os conflitos agrários sempre foram públicos e notórios na região, inclusive, o próprio grileiro havia ingressado com pedido de reintegração de posse e estava forçando a concessão de uma liminar: (Autos: 7030469-20.2020.822.0001- 7ª Vara Cível da Comarca de Porto Velho/RO).

Após o assassinato do PM, o advogado do Galo Velho, no dia 05/10/2020, fez juntada de matérias jornalísticas sensacionalistas nos autos e petição para comover o juiz a conceder liminar de reintegração de posse, já determinando que as mortes teriam sido ocasionadas pelos camponeses e que a liminar deveria ser concedida com urgência. Nessa linha criminalizadora há discursos inflamados de autoridades policiais e políticas, inclusive com pedido ao Governo Federal de uma Garantia da Lei e Ordem (GLO) para os camponeses (https://www.tudorondonia.com/noticias/marcos-rogerio-solicita-apoio-do-ministerio-da-justicapara-solucionar-conflitos-agrarios-em-rondonia,57512.shtml. Acesso em 07/10/2020).

E no dia 09/10/2020, às 17:42 horas, de forma clandestina, já que foi disponibilizado para visualização somente no dia 19/10/2020, depois que todas as violações tinham ocorrido, mantido sob o manto de “Segredo de Justiça”, o juiz concedeu “liminar de manutenção de posse”, que foi cumprida no dia 10/10/2020, sem intimação do Ministério Público, da Defensoria Pública, sem aviso às autoridades competentes para acompanhar a ação, sem fixação de prazo para as famílias saírem do imóvel; cumprimento sumário, sem acionar o Conselho Tutelar e Equipe de Saúde, enfim, violando todas as orientações e preceitos jurídicos que emanam da proteção à vida em situação de conflitos agrários.

Os camponeses já relatavam que desde a morte dos policiais, a PM já estava na região praticando atos ilegais como atirar nas pessoas que estavam na estrada, impedindo o ingresso de leite para as crianças e de alimentos, voos rasantes de helicópteros sob a área, onde os policiais jogavam cartuchos deflagrados para criminalizar os camponeses e outras práticas de terror psicológico, mas, nada se compara ao que aconteceu no dia 10/10/2020 sob o manto de proteção do Judiciário que no afã de atender ao latifundiário concedeu uma “ordem de liminar desrespeitando o devido processo legal”.

Durante o cumprimento da liminar de manutenção de posse, os camponeses relataram diversas violências sofridas. Os depoimentos foram colhidos por advogados da Associação dos Advogados do Povo – ABRAPO, no dia 11/10/2020, na Vila da Penha, para onde foram “despejadas as famílias” e no dia 19/10/2020 na Área Tiago Campin dos Santos.

Os relatos colhidos junto aos camponeses apontam destruição de patrimônio particular, destruição de alimentos, roubo de materiais de trabalho e pertences pessoais, desaparecimentos de documentos e dinheiro, queima de veículos, entre outras ações caracterizadoras de violência extrema, tanto física, patrimonial, quanto psicológica. Num total desrespeito às próprias normas estaduais para cumprimento de reintegração de posse em situação de conflitos agrários.

As famílias da Área Tiago foram impedidas de retirarem seus pertences, tiveram a cozinha coletiva destruída, assim como a alimentação que estava em seus barracos. Tudo destruído e pisoteado. As perdas para essas famílias são irreparáveis. Os danos morais e materiais são incalculáveis.

Essa atuação da PM com um contingente de mais de 300 policiais sem identificação em seus uniformes, com o aval do Poder Judiciário, que deveria fazer cumprir as leis e garantir o devido processo legal foi denunciada. Atitudes como essas precisam ser apuradas e devidamente responsabilizadas. Não podemos naturalizar as violências contra os camponeses e camponesas em luta por um pedaço de terra.

Os policiais fotografaram os documentos dos camponeses, dos seus rostos, ameaçaram fazer “montagem”, entre outras ameaças, o que impede os camponeses de comparecerem em Delegacias de Polícia Civil para efetuar registro de ocorrência.

A partir desse ocorrido, as forças policiais divulgaram uma lista de pessoas que estariam envolvidas nas mortes dos policiais, chegando até ao absurdo de incluir nela nomes de camponeses mortos, assassinados por pistoleiros e policiais, o que faz com que o temor dos camponeses seja real e implique em desconfiança crescente no Estado na busca de garantia dos seus direitos. Tal fato fez com que os advogados da ABRAPO fizessem o recolhimento dos depoimentos, mantendo sob proteção a identidade dos depoentes, que poderão ser apresentadas se as garantias de vida forem asseguradas.

Diante desses acontecimentos em 2020 a ABRAPO encaminhou as denúncias para as organizações de direitos humanos com depoimentos dos camponeses, transcrições de vídeos e áudios com relatos do ocorrido, fotos da Área e suas atividades, assim, como algumas fotos das destruições promovidas pela PM na Área Tiago Campin dos Santos.

A extrema violência empregada no cerco que antecedeu o cumprimento da primeira liminar de reintegração de posse e durante o cumprimento da mesma fez com que a ABRAPO efetuasse o registro dessas violências no que gerou o “Dossiê de violências e violações contra a Área Tiago dos Santos” (Disponível: https://cebraspo.blogspot.com/2020/11/ro-dossie-abrapo-violacoes-e-violencias.html). Esse dossiê, amplamente divulgado, foi encaminhado para as diversas organizações de direitos humanos, tendo solicitado a devida intervenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH e Conselho Estadual de Direitos Humanos – CEDH.

Há que destacar que desde a morte dos policiais, cujas investigações ainda não encerraram, as forças policiais divulgaram fotos de camponeses que “teriam participado do assassinato dos policiais”, incluindo camponeses mortos muito anteriormente ao fato, iniciando uma verdadeira criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra e uma caçada aos camponeses em luta pelo acesso à terra.

As famílias camponesas que foram despejadas em 2020, sem quaisquer condições ou assistência, voltaram para suas terras no imóvel, pois, era o único lugar possível para viverem e criarem seus filhos.

Num total de mais de 600 famílias no imóvel, residindo em pequenas parcelas de terras, organizaram a produção, conseguiram instalar internet para acesso as aulas online das crianças, Posto de Saúde com atendimento de Técnica de Enfermagem e Enfermeira Padrão a cada 15 dias – muitas vezes, com acompanhamento de médicos voluntários no atendimento básico – mercearias; igrejas e organicidade interna para garantir que não entrassem armas e drogas na Área permitindo a valorização das famílias que realmente querem terra para produzir.

Vídeo do Ato de lançamento do Relatório (fonte: AND)