Os órfãos do Estado negligente – por Siro Darlan

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Os órfãos do Estado negligente – por Siro Darlan

 MAZOLA4 minutos ago  0  4 min read

Por Siro Darlan –

A angustia de jovens acolhidos nos abrigos públicos que não têm para onde ir quando atingem a maioridade decorre da falta de cuidado com a infância do poder público.

O drama das crianças órfãs e abandonadas que não conseguem ser adotadas pode ganhar contornos mais tristes ainda quando elas atingem a maioridade vivendo nos abrigos e instituições. Em grande parte, essa condição acaba sendo causada pelo próprio Estado, na lentidão para finalizar a burocracia que libera a criança para a adoção: busca por familiares que queiram ficar com as crianças, perda do poder familiar, liberação dos documentos. Estima-se que, anualmente, cerca de 3 mil jovens egressos de abrigos atinjam a maioridade sem que encontrem uma família que os acolha. Por isso, é o próprio Estado que deve ajudar na socialização desses cidadãos recém-saídos da adolescência e que não têm apoio.

No Rio de Janeiro, onde é muito precária a assistência social do Município e faltam condições de trabalho aos Conselhos Tutelares, A Defensoria ganhou ação, que não é cumprida, para construção de repúblicas onde órfãos ou vítimas de maus-tratos fariam a transição para a vida adulta. Em fevereiro, a defensora pública estadual Ana Raquel, que atua junto ao Juizado da Infância, Juventude e do Idoso de São João de Meriti, pediu à Justiça a execução da sentença que obriga o município a manter uma república masculina e outra feminina para receber adolescentes que saem dos abrigos. Nesses locais, eles teriam chance de se preparar para uma nova etapa da vida até alcançar os 21 anos.

A república é uma chance de os jovens serem acompanhados pelo poder público por um pouco mais de tempo. E de terem até os 21 anos para concluir a transição para uma vida solo. Ao sair de um abrigo aos 18 anos, um adolescente não está preparado para enfrentar as dificuldades sem ter onde morar. A realidade para esses jovens é dura. Passam por diversas crises emocionais, por insegurança frente ao futuro e por nunca terem sido adotados. Toda assistência ainda é pouca diante dos desafios que enfrentam. Precisam de educação profissionalizante que os prepare para a vida e de um emprego após sua saída dos abrigos.

Geralmente eles são encaminhados para uma república ou lar que tenha jovens dividindo o mesmo espaço. Muitas vezes são jogados no mundo sem ter para onde ir. Precisam de apoio de psicólogos e assistentes sociais, durante e depois da saída do abrigo, para que se tornem independentes econômica e emocionalmente.

Fundamental é entender que os jovens e adolescentes não podem simplesmente ser colocados “da porta para fora” das instituições de acolhimento, especialmente se estão em situação de vulnerabilidade ou correm riscos, se não mais possuem uma família em condições de acolhê-los e se não possuem meios de prover o próprio sustento. Há um vazio em nosso sistema de proteção social no que se refere à pessoa egressa das instituições de acolhimento. Após o jovem completar 18 anos, não há um robusto sistema que lhes permita transitar daquela situação de tutela estatal para o livre exercício da vida adulta, que acarreta, inclusive, a responsabilidade pelo próprio sustento.

Urge a criação de repúblicas que acolham, separadamente, os jovens do sexo masculino e feminino acima de 18 anos impossibilitados de retornar à família de origem ou de serem acolhidos por família substituta, que preparem gradativa os adolescentes órfãos para o desligamento, com ensino profissionalizante e educação profissional técnica de nível médio.

Esses lares deverão assegurar aos adolescentes de 14 a 18 anos a preparação e o acesso ao mercado de trabalho, por meio de programas de aprendizagem e cursos técnicos profissionalizantes — diretamente ou por convênio com as entidades de aprendizagem profissional do Sistema S, entidades filantrópicas de caráter educacional ou organizações da sociedade civil — e estágios supervisionados.

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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