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Home > Política > Para que servem os presídios? – por Siro Darlan
Fotos: Reprodução internetCOLUNISTAS, ESPECIAL, JUSTIÇA, POLÍTICAPara que servem os presídios? – por Siro Darlan MAZOLA, 16 horas ago 0 6 min read 21571
Por Siro Darlan –
Imaginar que através do castigo legal, isto é, através da dor e do sofrimento, se possa atingir a inclusão social é tão inaceitável logicamente quanto impossível materialmente.
A prevenção especial positiva sempre foi oferecida como uma ideologia mistificadora de práticas de multiplicação da violência e da dor, por necessidades de diferenciação social, logicamente pondo-se de lado a boa-fé de quem acreditou e agiu em favor da reeducação do condenado. Para combater a cultura patibular da pena é preciso que, hoje, definitivamente nos libertemos dos enganos da finalidade inclusiva da pena.
A prisão ocupa hoje na cena política e social um papel central, tendo a poio de uma grande parcela da opinião pública estimulada pela mídia e pela desinformação. Uma cultura punitiva e persecutória contra qualquer tipo de ilícito, que cada dia amplia o rol de tipos nos códigos penais, independente das ilicitude ser oriunda da marginalidade ou da vulnerabilidade social. Os autores são designados como inimigos da sociedade e tratados como párias, enfatizando-se sua periculosidade através de uma cultura justiceira que atribui à persecução penal o papel de principal remédio contra todos os males que afligem o sistema político e econômico nacional.
Depoimento do ex-mafioso John Alite, preso no Brasil e nos EUA.
“Qual a diferença entre estar na cadeia e no Brasil e nos Estados Unidos? No Brasil a história é bem diferente. É mais um tipo de campo de concentração. Lá você sabe você não sabe o que vai acontecer. Presos sendo torturados. Não temos luzes, as luzes se apagam por semanas. Chove dentro das celas. Chove em parte da cela e inunda. Abaixo está a qualidade do ar é muito ruim. Todos têm algum tipo de problema respiratório e as pessoas estão morrendo de asma e coisas assim. Constantemente centenas de caras que foram mortos naquela prisão. As rebeliões eram constantes. A qualidade da comida é basicamente a mesma coisa e você ia preferir merda de cachorro. Tem insetos dentro, arroz e feijão todos os dias, sete dias por semana. A higiene é baixa você nem consegue pensar no que está comendo. Porque a comida tem insetos, ratos andando por toda prisão. Tem mosquitos da dengue.”
Corroborando esse depoimento, recebi esses dias a denúncia baixo de uma mãe desesperada em defesa de seu filho preso, e encaminhei para providências ao Juiz da Vara de Execuções Penais e para os Conselhos de Direitos Humanos da ALERJ e da OAB.
“Excelentíssimo Senhor Desembargador,
Venho respeitosamente perante V.Exa. denunciar a tortura sofrida por meu filho XXXXXXXXXX, portador do RG número XXXXXXXXXXIFP, ora preso em regime fechado na penitenciária XXXXXXXXXX, localizada no Complexo Penitenciário de Gericinó, Bangu – RJ, no dia 31 de Janeiro de 2023, praticada pelo chefe de segurança XXXXXXXXXX e mais dois servidores, nas dependências da UP onde se encontra, ocasião em que, além de apanhar até quase à morte foi ameaçado pelo mesmo servidor Bastos de ser morto por ele à tiros quando fora da prisão.
Tudo ocorrera à partir do momento em que meu filho questionou a punição coletiva ilegal que todos em sua penitenciária vinham sofrendo por conta da fuga de outros três internos, por isso foi ameaçado e torturado antes de ser levado para o Bangu 1 de castigo, acusado injustamente de ser autor de um áudio que teria vazado na internet em que um preso denuncia as torturas e espancamentos que vinha sofrendo,
Diante do exposto peço providências a V.Exa., pois meu filho continua sofrendo ameaça e perseguição por parte do XXXXXXXXXX chefe de segurança da sua Unidade, além de uma injusta parte disciplinar
Atenciosamente,
XXXXXXXXXX”
Quando é contestado o custo-benefício dos presídios federais, normalmente, somos atacados pelos que se beneficiam disso. Mas vamos a dados empíricos, dispensando totalmente as questões ideológicas e de interpretação legal. O custo de um interno no sistema federal é de R$ 35mil/mês, ao passo que no RJ é de R$3,2mil, ou seja, a cada mês em uma unidade federal o RJ paga por um interno o custo de outros 12, ou, o custo de manutenção anual desse mesmo interno nas unidades fluminense. Multiplique esses R$ 35mil mensais por 12 (número de meses) e depois por 40 (número de custodiados); chegaremos à cifra de quase R$ 17 Milhões. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) o custo de cada aluno na rede pública fica entre R$ 297,00 e R$415,00 por mês. Portanto um preso equivale a 84 alunos na escola.
Imagine o impacto disso, anualmente, num sistema totalmente falido e sem investimentos? Com metade desse valor estima-se recuperar não menos de 10 mil vagas ociosas por más condições; quantos profissionais de saúde mental e ressocialização poderiam ser contratados? Quantas melhorias poderiam ser feitas para o Policial Penal? Mas o argumento é de que no sistema federal há o isolamento necessário a permitir a cessação das atividades de liderança criminosa dessas pessoas. Será?
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), disposto no artigo 52 da LEP (Lei de Execução Penal) é uma forma especial de cumprimento da pena no regime fechado, que consiste na permanência do presidiário (provisório ou condenado) em cela individual, com limitações ao direito de visita e do direito de saída da cela.
Tal dispositivo trata da duração máxima da aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, limitando-se a 360 (trezentos a sessenta) dias. Contudo, pode ocorrer a repetição da sanção por nova falta desde que seja respeitado o limite de máximo de 1/6 (um sexto) da pena do condenado.
O que nos dizem os dados práticos? Dizem que essa justificativa não passa de utopia, que não se sustenta dentro da realidade fática! Veja os recentes exemplos de Marcinho VP, Fernandinho Beira Mar e Marcola… Faça uma pesquisa no site do TJ e veja quantas denúncias foram oferecidas e aceitas contra pessoas custodiadas em unidades federais?
Dito isso, só nos resta duas premissas a considerar:
1- paga-se absurdamente caro por um “serviço” que não funciona (apto a gerar improbidade administrativa) ou 2- Ministério Público e Judiciário atuam em conspiração contra essas pessoas para “fabricar” prisões preventivas e perpetuar as prisões, mesmo após o cumprimento integral da pena (crime de abuso de autoridade, organização criminosa, etc….) Independentemente do que se acredita em termos jurídicos, a questão é: quando a sociedade vai realmente tomar conhecimento desses dados? Quando o debate sairá do campo punitivista por cegueira e passará a ser feito com dados concretos? (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2023/04/17/fernandinho-beira-mar-e-6-filhos-sao-condenados-por-organizacao-criminosa-na-operacao-epistolas.ghtml)
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Leia também: A roubada dos presídios federais – por Siro Darlan e Raphael Montenegro
AGENDA
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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