Patrulhamento ideológico no judiciário.

Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e Membro da Associação Juízes para a Democracia.

 

O sistema punitivo predominante no judiciário brasileiro tem criado um patrulhamento ideológico para aqueles magistrados que ousam dissentir da maioria e aplicar as leis sob o viés do garantismo dos direitos fundamentais de acordo com as regras constitucionais e dos tratados internacionais a que o Brasil se obrigou. Não é a primeira vez que nos meus 35 anos de magistratura sofro essa espécie de bullying institucional.

Como assevera o desembargador Alberto da Silva Francoa lei 8.072/90, na linha dos pressupostos ideológicos e dos valores do chamado Movimento da ‘Lei e da Ordem’, dá suporte à ideia de que leis de extrema severidade e penas privativas de liberdade pesadas são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusório”.

Afirma ainda o festejado autor, referindo-se a uma “guerra sem quartel” contra determinados delitos certas categorias de delinquentes, “serviram para estiolar direitos e garantias constitucionais e para deteriorar o próprio direito penal liberal, dando-se azo à incrível convivência, em pleno Estado Democrático de Direito, de um direito penal autoritário”.

Ao longo do exercício da magistratura foram 53 representações tentando me calar e me aquietar, mas costumo repetir o que me ensinou Santo Agostinho dizendo que “meu coração vive inquieto e inquieto permanecerá até que descanse em Ti”. Ora, não foram apenas as representações, mas insinuações de corrupção e outras covardes que sempre tiveram a resposta adequada e necessária.

Recentemente, já no Tribunal, tenho sido vítima de insinuações de favorecimentos em troca de favores em algumas decisões judiciais, todas elas passíveis de recursos, que quase sempre ou não vieram ou se vieram, foram rechaçados nos Tribunais Superiores. Algumas ganharam a mídia, mas não prosperaram eis que todas são fundamentadas na lei e nos tratados de direitos humanos.

Essa prática de macarthismo é danosa para a credibilidade do próprio judiciário e precisa ser combatida com total transparência de toda atividade judicante e amplo debate com a sociedade para que as decisões possam ser compreendidas pela população. Agentes dessa covardia chegaram mesmo a ameaçar um assessor de minha confiança de prejudica-lo profissionalmente em razão de suas atividades como meu colaborador na elaboração dos acórdãos.

Para navegar numa contracorrente, são necessários requisitos raros: espírito de aventura, persistente coragem e paixão. Tenho procurado combater esses moinhos empedernidos com tenacidade, mas como afirma o brilhante criminólogo Salo de Carvalho “o sintoma contemporâneo vontade de punir, atinge os países ocidentais e que desestabiliza o sentido substancial de democracia, propicia a emergência das macropolíticas punitivistas (populismo punitivo), dos movimentos políticos-criminais encarceradores (lei e ordem e tolerância zero) e das teorias criminológicas neoconservadoras (atuarismo, gerencialismo e funcionalismo sistêmico)”.