POR UM JUDICIÁRIO INDEPENDENTE E JUSTO – por Siro Darlan

Pretender ressocializar alguém por meio da privação da liberdade é o mesmo que um corredor se preparar deitado para uma maratona. (Foto: RawPixel)

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POR UM JUDICIÁRIO INDEPENDENTE E JUSTO – por Siro Darlan

 MAZOLA3 minutos ago  0  4 min read

Por Siro Darlan –

A escultura do artista Ceschiatti que simboliza o judiciário brasileiro está sentada, como se estivesse cansada de tantos conflitos que assoberbam a justiça o pais mais desigual socialmente do Planeta.

Não apenas sentada, mas destituída da balança que simboliza a isonomia no tratamento das partes, já há muito descontextualizado da realidade brasileira, que deixou de contrabalancear argumentos doutrinários, sopesar direitos, medir consequências e equilibrar a teoria e prática, guardando respeito à uma realidade social de sofrimento e dor de quase toda população brasileira na linha da pobreza, miséria e fome.

Melhor representaria o judiciário brasileiro a escultura de 3,5 metros de altura denominada Survival of the Fattest na Dinamarca, que retrata Têmis muito gorda nas costas de um menino negro e faminto, em cuja base está escrito: “Estou sentada nas costas de um homem. Ele está afundando sob o fardo. Eu faria qualquer coisa para ajudá-lo. Menos descer de suas costas”. É assim que o judiciário tem sido retratado como protetor do capital econômico e latifundiários que sufocam a economia brasileira para ficar cada vez mais prósperos e ricos, se distanciando cada vez mais da maioria da população espoliada por essa elite selvagem.

Se o judiciário fosse evidentemente imparcial e justo, não mascararia nada, não perseguiria eventuais inimigos, nem contribuiria em nada para a hegemonia de qualquer classe, nem manteria os privilégios dos mais abonados financeiramente. A pré-condição essencial para a eficácia do direito, na sua função como ideologia, é que demonstre independência da manipulação grosseira e pareça justo. Parece que não pode ser assim sem defender a sua própria lógica e critérios de equidade; na verdade, ocasionalmente, sendo realmente justo para disfarçar. Assim como interfere na ilegal distribuição de emendas, agindo de oficio, porque não faz o mesmo quando o Brasil até hoje não promoveu a Reforma Agrária, porque não interfere na precificação dos juros que só beneficia os banqueiros e agiotas?

Por outro lado, a Constituição atribui reprovabilidade à tortura, em especial por consagrá-la como inafiançável e insuscetível de graça ou Anistia (art. 5º, inciso XLIII). Há, pois, o direito fundamental na punibilidade dessa prática, sobretudo quando a disposição normativa do inciso XLIII é a definição dos crimes hediondos, que são inafiançáveis e não podem receber anistia ou graça, assim como o são os crimes de tortura, tráfico de drogas, terrorismo.

O Tribunal de Nuremberg (foto abaixo) definiu o crime de lesa-humanidade que constitui qualquer ato desumano cometido contra a população civil, no bojo de uma perseguição por motivos políticos, raciais ou religiosos. Note-se que não há necessidade de consumação de um genocídio, mas apenas que determinado segmento social seja alvo de repressão específica.

A pratica reconhecida pelo próprio STF de que o sistema penitenciário brasileiro se encontra em “estado de coisa inconstitucional”, aliado à incontestável seletividade penal que contempla os irmãos afrodescendentes e os pobres como alvos preferenciais da repressão policial, ministerial e judicial, e como os fatos notórios e reconhecidos judicialmente apontam para a prática de uma política de governo ilegal perante o ordenamento qualificada por atrocidades, já não se ignora mais que a prática de tortura tem sido pratica recorrente no sistema penal brasileiro.

Considerando que o Brasil, pela edição do Decreto no 10 719, de 1914, ratificou a Convenção Concernente às Leis e Usos da Guerra Terrestre, firmada em Haia em 1907, na qual reconhece o caráter normativo dos princípios jus gentium preconizados pelos usos estabelecidos entre as nações civilizadas, pelas leis da humanidade e pelas exigências da consciência pública, urge que o estado brasileiro cesse com o tratamento de tortura aos apenados, sob pena de denúncia nos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), aposentado compulsoriamente por conceder benefício a preso em risco de vida, que uma vez preso faleceu nas grades da crueldade estatal; Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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