Racismo estrutural na OAB – por Siro Darlan

Manifestantes carregaram faixas contra o racismo e o fascismo e a favor da democracia, em 2020. (Reprodução)

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Racismo estrutural na OAB – por Siro Darlan

 MAZOLA3 minutos ago  0  6 min read

Por Siro Darlan –

“Não confunda a reação do oprimido com a
Violência do opressor”.  (Malcon X)

Tá lá um corpo estendido no chão. Tiros acidentais, tiros intencionais. Mortes que revelam um padrão. Vítimas fatais desde a época da escravidão. O Relatório Pele Alvo produzido pelo CESeC da Rede de Observatórios da Segurança denuncia mais uma vez que as polícias que deveriam garantir direitos, são postos a serviço de políticas de enfrentamento bélico, sob a justificativa de repressão ao tráfico de drogas e redução da criminalidade para promover a morte da população negra, cotidianamente em condições de vulnerabilidade.

Protesto de integrantes da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil durante a posse do presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. (Divulgação)

A população negra 55% do povo brasileiro, representam 87,8% das vítimas fatais. Das 4.258 vítimas com informações sobre raça e cor, foram 3169 com esses registros, e destes, 2782 pessoas eram negras. Ou seja, a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta pela polícia. No Rio de Janeiro que conta com 57,8% de negros, foi de 86,9% os negros mortos decorrentes de intervenção do Estado so no ano de 2023. A cor com mais melanina tem sido o alvo preferencial da violência policial. Essa população tem sido vítima histórica de uma tradição que vem desde o período colonial, foram alimentados à base da violência nas ditaduras militares e golpes civis à direita, e hoje traçam as vidas indesejáveis. Quanto mais preto e pobre, maios a indiferença e mais indesejável e menor valor têm as suas vidas. Os mais atingidos pela violência são homens jovens de 18 a 29 anos, e negros.

Segundo Silvia Ramos do CESeC: “O perfil do suspeito policial é fortalecido nas corporações. O policial aprende que deve tratar diferente um jovem branco vestido de terno na cidade e um jovem negro de bermuda e chinelo em uma favela. A questão é: 99,9% dos jovens negros das favelas e periferias estão de bermuda e chinelo. E todos passam a ser vistos como perigosos e como possíveis alvos que a polícia, se precisar, pode matar”.

Diante desse quadro de doutrinação escravocrata, é preciso honrar aqueles que lutaram contra essa aberração da humanidade em nosso pais como Zumbi dos Palmares, cuja lembrança comemoraremos no próximo dia 20 de novembro, Luiz Gama e Esperança Garcia.

Não podemos nos omitir, porque ”Se você fica neutro em situação de injustiça, você escolhe o lado do opressor” Desmond Tutu.

Tutu combateu ao lado de Mandela por justiça às vítimas do apartheid. (AP Photo/ Themba Hadebe)

É preciso tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. Silêncio encoraja o torturador, nunca o torturado.

Outro dia, em pleno Órgão Especial do Tribunal de Justiça, ouvi de uma advogada negra a afirmação que é boicotada pelas mulheres negras e que tudo que tem deve a seu “Senhorzinho”. Ora essa senhora não deseja sair da senzala que grande parte da sociedade destina à população negra. É preciso se despir das vestes de escravizados que desejam nos trajar. O grito de liberdade deve sair de dentro de cada um e de cada uma. O amor pela liberdade e o ódio feroz contra toda forma de opressão, ódio mais forte ainda quando assistimos a opressão que esmaga os mais pobres e discriminados, sem que nos coloquemos do lado deles, os oprimidos.

Negros no Fundo do Porão é uma obra do pintor alemão Johann Moritz Rugendas, publicada no livro Voyage Pittoresque dans le Brésil. (Reprodução)

O Provimento do Conselho Federal da OAB, em seu artigo 10 determina expressamente que apenas se deve admitir o registro de chapa que atenda ao percentual de 50% para candidatos de gênero e, no mínimo 30% de advogados negros e negras, assim considerados os inscritos na OAB que se classificam (auto declaração) como negros, ou seja, pretos, pardos ou definição análoga. A política de cotas raciais foi aprovada pelo Conselho Pleno Federal da OAB, em 14 de dezembro de 2020, vigorando já para as eleições de 2021, e tendo validade por 10 eleições. Foi uma decisão histórica, muito comemorada pelo sistema, que demonstrou a relevante necessidade de se democratizar o acesso dos cargos de dirigentes do sistema OAB aos colegas negros e negras, que lamentavelmente conta apenas com 8% de advogados pretos.

Manifestantes levantam bandeiras antifascistas e contra o racismo. (Foto: AFP)

Apesar da efetiva conquista dessa histórica decisão, apenas uma chapa, a de n º 3 de Marcello Oliveira cumpriu esse requisito democrático. Enquanto a outra chapa, cercada de riqueza em toda sua campanha com voos rasantes de helicóptero por todos os municípios, jantares e almoços caríssimos, com o uso da máquina administrativa da OAB de forma aética e indevida, utilizando-se da Revista Oficial para uso político com dezenas de fotografias da candidata representante das oligarquias, dos grande e ricos escritórios que a financiam, cercada de ministros e magistrados cujos filhos são agentes de advocacia administrativa, como tem demonstrado “as escandalosas descobertas em outros estados”, enquanto essa gente esconde tais irregularidades, em alguns casos crimes, no Rio de Janeiro.

Povo negro, temos a oportunidade de escolher que queremos permanecer com nossos “Senhorzinhos” que nos domina, nos oprime e mantém a justiça nas mãos de maus operadores, ou desejamos a mudança e renovação. Precisamos buscar a nossa felicidade e a nossa dignidade para compartilhar com todos aqueles que nos cercam, nas favelas, nas comunidades, nas periferias, que são vítimas de perseguições abomináveis e injustas. É nosso dever sagrado a fidelidade aos nossos antepassados de luta como Zumbi, Luiz Gama e Esperança Garcia, e revoltar-nos contra a opressão, sem distinção de tirano ou vítima.

Precisamos nos inspirar em Quixote e buscar nossos sonhos de igualdade e liberdade, no combate às desigualdades e as injustiças.

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), aposentado compulsoriamente por conceder benefício a preso em risco de vida, que uma vez preso faleceu nas grades da crueldade estatal; Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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