1ª Vara da Infância e da Juventude, na Praça Onze. (Divulgação)DESTAQUES, DIREITOS HUMANOS, JUSTIÇARemoção compulsória – por Siro Darlan MAZOLA, 1 hora ago 0 5 min read 22702
Por Siro Darlan –
Narrei em outro artigo a primeira tentativa de me calar através do uso das ferramentas judiciais (LAWFARE) removendo compulsoriamente da Vara da Infância e da Juventude, onde incomodava por querer dar vida à letra morta do Estatuto da Criança e do Adolescente. Se na primeira a caneta do arbítrio estava nas mãos do Governo Municipal, dessa vez a caneta estava nas mãos de uma desembargadora, que requereu minha remoção sob o fundamento de que “A sentença recorrida é exemplo gritante da absoluta inadaptação, do ilustre Dr. Juiz da 2ª Vara da Infância e da Juventude, para a solução dos graves problemas relacionados com menores infratores que lhe são submetidos”.
Fyodor Dostoievski menciona em seu clássico Irmãos Karamazov que: “A justiça se assenta em forma de injustiça”. A ilustre desembargadora tinha razão, o judiciário não é o caminho para a solução para adolescentes em conflito com a lei, porque é a lei que está em conflito com eles. E lei lhes outorga direitos que na prática lhes são negados e, portanto, do seu modo, eles tentam reivindica-los. É aos Estado, à sociedade e à família que se deve cobrar. Assim diz a Constituição.
No caso, cabia ao Egrégio Conselho da Magistratura a análise do recurso interposto pelo Ministério Público e tão somente manter ou reformar a sentença. Contudo a ilustre magistrada não aceitava outra interpretação que não fosse a sua e por não aceitar a vigência da Lei 8060/90, que chamou de “diploma legal demagógico, que dispensa tratamento extremamente permissivo aos graves problemas menoristas”. Aduz a magistrada “Alias, tal tratamento só é possível, mercê da intransigência do legislador constituinte – quando da edição da Carta Magna de 1988 – em manter a inimputabilidade penal dos menores até os dezoito anos, apesar de considera-los perfeitamente aptos e responsáveis para o exercício do direito de voto a partir dos dezesseis anos (art. 14, III “c”)”.
Ora, na verdade a magistrada se revoltava contra o juiz que queria cumprir a então nova Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente que ela, uma desembargadora, não reconhecia com a força legal. Logo, o caminho seria tirar da titularidade o juiz garantista e colocar outro que cumprisse a sua vontade pessoal e egoísta.
Considerando as razões pessoais da desembargadora, hoje tenho saudades de suas argumentações. Nos dias de hoje pós hecatombe lavajatista, a aplicação do AI 5 da magistratura, a chamada Lei Orgânica, editada com o nome de Lei Complementar nº 35, em 1979, um dos últimos atos da ditadura militar, em vigor até nossos dias. Considerada por muitos juristas como parte do entulho autoritário, que mantém a magistratura nacional agrilhoada, tal como faz o regime dos aiatolás que obriga as mulheres iranianas a ocultar seu rosto com o uso do véu, proíbem a música, o álcool e os banhos de mar conjuntos, tudo cercado de severas punições e cerceamento das liberdades.
Poder-se-ia dizer que por se tratar de uma lei autoritária e oriunda da ditadura, somente agentes autoritários aplicariam essa lei, mas sendo lei não cabe ao intérprete outra alternativa senão aplica-la, até que seja substituída por outra lei adequada aos tempos do pôs constitucionalismo de 1988. Enquanto vigente não se discute, senão no plano acadêmico e parlamentar. Enquanto isso dezenas de magistrados de todas as matizes do pensamento ideológico estão sendo calados com punições que afrontam sua independência funcional e cidadã.
A saudade se justifica porque a despeito da fundamentação egocêntrica da desembargadora, havia lealdade e não se plantava uma colaboração para premiar um bandido que dissesse que o magistrado havia vendido a decisão prolatada; não se abusava da autoridade deixando de cumprir ordem superior para manter constrangido eventuais adversários ideológicos, quando havia interesse pessoal, o julgador manifestava seu impedimento e não reforçava sua ânsia persecutória apesar da evidente suspeição. A lição deixada por Moro gerou discípulos que fazem do processo persecutório do Presidente Lula um modelo de procedimento que usa a lei para perseguir inimigos.
Felizmente a proposta da desembargadora que ressalvou “que não vai na medida, ora proposta, o menor deslustre às qualidades morais e de honradez pessoal do referido Juiz, por todos reconhecidos”, mas como estava aplicando a lei que ela não aprovava por ser “um diploma legal demagógico” queria me remover. O julgamento dessa proposta foi cômico e muito sofrido, porque a votação se encaminhava para o deferimento de minha remoção, quando o ilustre desembargador Jorge Loretti (foto abaixo) pediu a palavra e falou durante duas horas e meia, até conseguir cansar seus pares e impedir que houvesse o quorum regimental para a remoção.
Fui salvo pelas arma de Jorge!!! Salve Jorge Loretti!!! Que Deus o tenha em sua glória!
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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