Vozes do cárcere – por Siro Darlan
MAZOLA, 31 minutos ago 0 4 min read
Por Siro Darlan –
A Academia Brasileira de Letras do Cárcere (ABLC) surge como uma iniciativa pioneira destinada a reconhecer e valorizar as obras de escritores e escritoras que produzem literatura mesmo estando privados de liberdade. Seu principal propósito é oferecer uma plataforma para que esses autores expressem suas vozes e compartilhem suas histórias, contribuindo assim para a diversidade e a riqueza da literatura nacional.
A ABLC tem como missão estimular a escrita e a leitura de livros por encarcerados e egressos, promovendo sua reinserção social e valorizando o potencial humano mesmo em circunstâncias desafiadoras. Ao reconhecer o poder transformador da literatura, a Academia busca ampliar as oportunidades para que esses autores tenham suas vozes ouvidas e suas obras apreciadas por um público mais amplo.
A ABLC não faz apologia do crime nem do criminoso, mas daquele que superou a dor e o sofrimento da prisão e optou por buscar seguir outra direção abraçando a literatura e outros modelos de arte e cultura para conviver de forma sadia com a sociedade. A proposta já vitoriosa conta com nove acadêmicos empossados de diversos estado do Brasil e está aberto a acolher mais onze cadeiras. Cada cadeira leva o nome de pessoas que escreveram livros quando também estavam no cárcere. A ideia é ocupar as primeiras vinte cadeiras com escritores e escritoras, já temos duas mulheres acadêmicas, e depois eleger outras modalidades culturais como artesanato, música e teatro de autores que estão ou estiveram presos.
A população carcerária brasileira cresceu vertiginosamente nas últimas décadas, apesar da resistência de organizações e de movimentos sociais. Atualmente, temos a maior população carcerária da história do país, com cerca de 832 mil pessoas presas, segundo o 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023. Se essas pessoas vivessem em uma única cidade, essa cidade seria a 18ª maior cidade do país, a partir de dados do Censo 2022. O Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de países que mais encarceram no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Desse número alarmante, 68% são negras e 43% são jovens de até 29 anos, de baixa escolaridade, evidenciando como a juventude negra é desproporcionalmente afetada pelo sistema de justiça criminal, sofrendo discriminação racial e de classe.
O estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao concluir o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347) em outubro de 2023.
A proposta de criação da Academia Brasileira de Letras do Cárcere foi uma iniciativa de 44 advogados e profissionais de comunicação e resulta de debate amadurecido ao longo de décadas pelos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Em diferentes momentos, verificou-se que a violação de direitos tem efeitos para além da vida das pessoas apenadas e favorece a formação e expansão de organizações criminosas. E que ao negligenciar políticas de cidadania a esse público, contribui-se com a reincidência.
A ABLC em pouco tempo já encaminhou dois projetos para o Ministério dos Direitos Humanos, Ministro Silvio Almeida propondo que os acadêmicos produzam vídeos narrando a opção pela socialização através da literatura para promoção da leitura como forma de conhecimento e redução da pena; e criou um aplicativo visando a comunicação entre familiares de apenados, denominado Comunicárcere, (https://www.comunicarcere.com.br/), que através de uma plataforma digital oferece suporte à reintegração social com informações sobre direitos, procedimentos e serviços relacionados à reclusão.
A parceria firmada com o Jornal O Povo promove a apresentação dos acadêmicos, sua história de vida e superação e suas obras literárias através da coluna semanal e dos podcast que serão gravados com os acadêmicos, advogados e profissionais do direito sobre o encarceramento em massa e as soluções possíveis para promoção as da paz social.
SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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