A história se repete: criança a maior vítima da violência.

Siro Darlan – desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e membro da Associação Juízes pra a democracia.

Rubem Alves em artigo memorável sugere a criação de um curso de Escutatória em contra ponto aos cursos de Oratória que abundam, sobretudo em época de eleições quando surgem os mais brilhantes oradores e prometedores. Ressalta o escritor a importância do saber ouvir os outros. Precisamos ouvir o grito de sofrimento das crianças que insistimos em não ouvir quando elas choram, pedem socorro ou gemem de dor, ou fazem más criações diversas como forma de chamar atenção dos adultos.
Os jornais informam que mais uma criança é vítima da violência doméstica, disputada a guarda por seus pais, surge com marcas visíveis de violência em seu corpinho em formação e os pais se acusam mutuamente. Outra já não pode mais gemer porque a bala perdida que tanto temia ceifou sua vida.
Em passado recente o deputado Chiquinho da Mangueira, na condição de representante da comunidade da Mangueira, procurou o Comandante do 4 º Batalhão da Policia Militar para solicitar que as incursões policiais não fossem feitas em horários de entrada e saídas das crianças das escolas.
Logo as forças políticas e os órgãos de comunicação que defendem a filosofia de “violência pela violência” acusaram o líder comunitário e educador de estar protegendo o tráfico de entorpecente e isso lhe custou um desgaste político e pessoal.
Desde então muitas foram as crianças e adultos inocentes que tiveram suas vidas ceifadas por ação policial ou em decorrência dela: Alana 12, Cleber 55, Eduardo 36, Matilde 40, Maria Fernanda 2, Vanessa 4, José 48 foram vítimas em apenas cinco dias de massacre. Mais recentemente uma criança que sob a guarda de estabelecimento educacional foi atingido por bala perdida dentro da sala de aula.
O que está faltando ainda para que as autoridades responsáveis por essas mortes de inocentes mudem a forma de combater a violência do crime com a violência do estado? Pelo texto constitucional criança deve receber tratamento preferencial na elaboração e execução de políticas públicas.

É inegável que a segurança é um direito do cidadão e um dever do estado, mas é preciso guardar com prioridade absoluta que a criança tem o direito à proteção integral e preferencial. Portanto se a prática escolhida pelo governante para combater a criminalidade tem causado tantos danos e mortes ao interesse superior das crianças essa prática tem que ser modificada.
Como afirmou a Secretária Claudia Costim a “escola deveria ser um santuário inexpugnável” e afirmo, até mesmo a revolução militar em seus momentos mais repressivos procurou respeitar o espaço educacional de forma que os educandos estejam a salvo de qualquer influência perniciosa como as propagandas de tabaco ou outra modalidade de drogas ou ainda qualquer outra forma de violência que prejudique seu desenvolvimento sadio.
Quando uma criança é assassinada pelo aparelho estatal nas dependências de uma sala de aula o estado não está promovendo a segurança pública desejada, mas apenas usando as mesmas armas dos agentes de violência que violam as leis. Portanto equipara-se ao infrator e delinqüente deixando de ser o estado garantidor da paz para ser também um agente de violência igualmente indesejado.
O Comandante Geral da Polícia Militar Cel. Ubiratan Ângelo, que antecedeu o atual, já se anunciara o fim das incursões policiais em horário escolar, mas pelos últimos fatos parece que essa prática continua e os seus maus resultados também.
Resta o sonho não realizado de Wesley que queria ser bombeiro e amava a paz e temia os tiros que ceifaram sua vida tão precocemente como já havia anteriormente com outros três alunos da mesma escola e a lição de que uma polícia de qualidade só se justifica se defender o cidadão de toda e qualquer forma de violência e deve ser condenada quando se transforma em agente da violência seja a que título for.