A Lei Seca e o Desembargador.
Siro Darlan – Desembargador do Tribunal de Justiça e Membro da Associação Juízes para a Democracia.

São inegáveis os benefícios que a chamada Lei Seca trouxe ao trânsito do Rio de Janeiro, reduzindo os acidentes e criando uma cultura de cuidados para os motoristas que bebem. Aumentou o número de corridas de táxis e melhorou o nível de violência no trânsito. Mas não se pode transigir com os direitos fundamentais desrespeitando-os quando se podem atingir os mesmos resultados sem rasgar a Constituição.
Escolheu como manchete um jornal carioca noticiar que um desembargador que não quis se submeter a essa rotina de desconforto para todos os cidadãos, que são obrigados a parar e prestar contas a uma autoridade sem ter dado qualquer motivo para isso. A ocasião era propícia para colocar essa causa pública em debate, ouvindo a respeito os especialistas, mas a preferência foi mostrar a imagem de uma autoridade que não queria ser tratada como os demais cidadãos.
Conhecendo a seriedade e coerência do desembargador Cairo David, acredito que a escolha foi infeliz. A uma porque o referido jurista há muito defende em seus brilhantes votos a ilegalidade dessa prática e a duas que não é homem de se portar de forma diferente em razão do cargo que ocupa. Muito pelo contrário é um homem simples e muito humano, além de jurista respeitável e coerente.
Tudo que se deseja de um homem público é que seja honesto e coerente. Ora se é essa a posição fundamentada pelo desembargador em seus votos, como exigir dele, conhecedor e fiel intérprete da lei, que se submeta a uma ilegalidade? A reação não foi em causa própria, mas em defesa do respeito aos direitos constitucionais de todos os cidadãos, e para provocar uma necessária revisão dessa prática. Ainda que de boa fé, não se admite rasgar direitos fundamentais.