Alternativas à privação da liberdade – por Siro Darlan   MAZOLA12 horas ago  0   8 min  22206   

Por Siro Darlan –

Série Presídios XII.

Na perspectiva de superação definitiva da prisão, como forma de reação aos ilícitos penais, podem-se considerar algumas alternativas:

– ampliar formas de despenalização de uma série de crimes de menor gravidade.

– anistias e indultos.

– amplas formas de intervenções alternativas à prisão inovadoras e mais abrangentes do que as atuais medidas alternativas, nos termos da justiça restaurativa; da mediação penal; da composição dos conflitos, inclusive no campo do direito civil; da estruturação de percursos de reinserção social.

– ampla avaliação de recursos assistenciais, laborativos, habitacionais, formativos, culturais, voltados para a superação do desconforto e da marginalidade, tendo em vista a reabilitação e reintegração social, a partir do apoio aos núcleos de convivência.

– criação de colônias agrícolas como alternativas para formação de mão de obra especializada e profissionalizante.

Dentre outras medidas alternativas à prisão que devem ser adotadas como as que sugere nosso escritor M. que nos dá o recado de dentro da prisão que habita temporariamente.

“Você não sabe o quanto caminhei pra chegar até aqui”

Primeiramente é uma enorme felicidade retornar a escrita depois desse tempo, devo admitir que senti uma falta absurda deste projeto. A realidade do sistema penal nada mudou, a disparidade com o que a lei manda e o que é torna o contraste gritante. Vivo hoje em um regime semiaberto dentro de uma penitenciária de segurança máxima feita para abrigar um regime fechado, o que em nada corresponde o que diz o código penal e a LEP, vivemos uma situação à margem da lei, o Estado infringe o que ele mesmo legisla, e para quem não tem voz somos encurralados pelo sistema a parte que o Estado mesmo criou.

A polícia penal é despreparada, os órgãos de vigilância nada vigiam, os juízes da VEP discorrem em suas sentenças arbitrariedades e preconceitos de todos os tamanhos, negam benefícios humanitários como a visita à família com argumentos sem base nenhuma, dizem: “você está imaturo para o benefício” ou “alto risco de evasão” e “longa pena a cumprir”, para genericamente negar o benefício, sem levar em consideração a individualização do apenado, sem levar em consideração todo um histórico de convívio em um sistema falho que obriga o sujeito preso cada dia a falhar.

São necessários espaços de ouvidorias, são necessários espaços de acolhimentos individualizados onde nem a defensoria pública enxerga, é necessário ser anti-opressor, sair do discurso comum do revanchismo onde o indivíduo preso é o inimigo, é necessário que se enxergue a sentença como objeto ultrapassado, a sentença já é o castigo, já é a pena, e por isso estamos pagando, caminhando para um futuro de ressocialização, não podemos mais enxergar o indivíduo preso como objeto do Estado, e que este decida a seu bel prazer prejulgar o indivíduo até em seu futuro, não podemos ter mais um Estado Jurídico anticonstitucional, pois é isso que temos, e infelizmente não há quem exija a lei para quem está à mercê dela.

“Que país é esse?”

O Cinéfilo: FAROESTE CABOCLO

Temos um retrato disforme da realidade social apresentada por meios de divulgação, há um discurso frágil de desigualdade racial e de desigualdade de gênero e há um discurso omisso sobre a realidade da desigualdade social. Não quero aqui aquela velha ideologia marxista de redução de tudo à luta de classes, mas aqui o é. Vejamos a história social Brasileira e entendemos que o que temos aqui é um desenrolar de opressão social, quem nasce pobre encontra-se diminuído em direitos e oportunidades, os privilégios sociais são os mais cruéis. Se o retrato do mais pobre médio Brasileiro fosse revelado este seria preto e pardo, pertencentes a classe mais pobre a identificação fenotípica fica mais evidente temos ai a base do racismo como ferramenta de exclusão de meio, como ferramenta de exclusão social, “você não pertence a este lugar” é o que eles querem dizer, mas o lugar que eles não querem que você pertença é o lugar de privilégio, e o mais pobre sente sobre si a opressão da exclusão, os olhares, os julgamentos ” você não pertence a este lugar” é o que ecoa na sua cabeça.

Esta classe não é daqui esta classe é a pobre, o pobre tratado como um dáli é segregado em todas as suas ações, o Estado deixa esse recado muito claro com serviços para esta classe, o público ou o “para todos” são as ferramentas Estatais mais negligenciadas pelo próprio Estado. É muito difícil para um pobre ascender a pirâmide social, o estigma da cor, da educação deficitária, da capacitação profissional inexistente e o GPS da moradia periférica afastam as possibilidades, enumerei os porquês das nossas raízes sociais tão friamente para afastar os olhares frágeis de só quem quer sensacionalismo barato, coloquei um olhar para o todo para enxergarmos as mazelas de toda uma classe.

Então a visão que tendemos a ter é a do paternalismo Estatal, vende-nos a ideia de que o Estado deveria equilibrar essa balança, certamente o Estado tem um papel fundamental, as políticas de inclusão social, de proteção financeira são medidas essenciais, mas e nós? Como indivíduos pertencentes a uma classe desfavorecida podem mudar esse paradigma? A resposta sempre se encaminha para a educação, deixemos de olhar o individual de lado e nos cerquemos de uma causa única, a revolução social pela educação, para além desta causa correremos como cães atrás das suas próprias caudas.

Compreendo aqui minha função, como um profeta do apocalipse que com uma placa anuncia o fim do mundo, a sociedade privilegiada nos coloca como loucos, e nós nos colocamos como arquitetos do futuro, tentando derrubar muros invisíveis que a massa não vê, mas que está bem ali na frente dos nossos olhos.

“Ainda somos os mesmos 

E vivemos

Como os nossos pais”

Faroeste Caboclo: A Versão Fílmica Da Literatura Musical De Renato Russo

O problema social se adia de geração em geração, o comodismo de culpar o Estado, como João do Santo Cristo em Faroeste Caboclo, cria gerações e sub gerações do mais do mesmo, a super exploração da sexualidade nas periferias, a falta da educação sexual e conscientização da gravidez na adolescência, cria famílias imaturas, quem cria e educa essas crianças? A massa periférica semianalfabeta, sem profissão e sem perspectiva fica refém de um mercado exploratório, com menos educação e sem profissão o indivíduo é empurrado como gado para vagas de emprego que remuneram menos e cada vez mais afastados do seu CEP periférico, fazem assim com que quem se submeta a tal “oportunidade” ganhe menos e se desloque por mais tempo para o trabalho. Criamos diariamente órfãos educados por TV e pela internet que tem como material de consumo o que não é o dele, uma mídia ostentação consumidora de likes e de views, uma mídia que vende pro órfão social o que ele não conseguirá pelo ócio da visualização.

Coitado do pobre que consome a mídia ostentação, coitado do indivíduo que não enxerga a pobreza do sonho do “ter”.

Concluo com mais um poeta do livro ‘Corpo Preso, Mente Livre’, Jorge Pablo de Souza Menezes, sob o título Pensamentos Louros:

“Pensamento de um dia, de muito sol e calor.

Até ligo o vento, mas parece bafo do inferno que soprou, sem terror.

Vou te falar a realidade do cárcere, você tem que notar.

Um dia eu tava na maior depressão, olhei para cada canto, mas nunca achei você não, para me livrar desse tormento.

Só o que eu sentia era o calor e o arrepio por dentro…

Quem tem promessas não morrem antes do tempo, para agradar os seus,

Para seus inimigos para que eles possam ver que eu sou o Deus que honro e faço acontecer.

Já decretei vitória, levanta a mão da glória, vitória prá quem crê.”

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SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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