Cristina Senna, Comissária de Justiça da Infância e Juventude e Idoso Aposentada e Especialista em Dependência Química.

Quem trabalhou com o Dr Siro Darlan, durante o tempo em que ele foi Juiz Titular do antigo Juizado de Menores, hoje 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio de Janeiro, sempre vai-se lembrar dele com saudade. Todos nós trabalhávamos com prazer, em prol das crianças do Rio de Janeiro, porque tínhamos autonomia para resolver – e conseguíamos resolver com rapidez – os dramas das crianças e adolescentes que nos eram apresentados. Naquele tempo, mais do que uma repartição pública, o juizado era a casa das crianças carentes, onde elas podiam chegar a qualquer hora, na certeza de que seriam acolhidas por um juiz que, para elas, não era juiz, era um pai.

Em outubro de 2004 fui “eleita” por meus colegas (sim, os chefes dos setores eram eleitos por seus pares) para chefiar o SAUD – Serviço de Atendimento aos Usuários de Drogas, o qual Dr. Siro havia criado para ajudar crianças e adolescentes dependentes químicos, que, por qualquer motivo, chegassem ao juizado. Os menores eram encaminhados para tratamento no HESFA – Hospital São Francisco de Assis, com o qual Dr. Siro havia celebrado convênio, enquanto pais e responsáveis, dependentes de álcool ou outras drogas, eram encaminhados ao grupo do AA – Alcoólicos Anônimos, que se reunia semanalmente no próprio auditório da 1ª VIJI. Para incentivar o comparecimento ao tratamento, cada pessoa recebia vale transporte para ir e voltar e, se não faltasse às reuniões semanais, recebia também uma cesta básica. Na época, aplicávamos a chamada Justiça Terapêutica, instrumento judicial que, em lugar de punir, ajudava o menor, ou maior, dependente, com processo na justiça, a tornar-se sadio através do cuidado necessário. A família era atendida por uma equipe multidisciplinar formada por Psicólogos, Assistentes Sociais e Comissários de Justiça e os pais participavam de outro excelente projeto, também criado por Dr Siro, chamado “Escola de Pais” onde, através de palestras com profissionais de diferentes áreas, aprendiam a exercer melhor a maternidade e a paternidade. Todos os projetos contribuíam para a recuperação biopsicosocial dos envolvidos e, ainda que os resultados não se mostrassem 100% satisfatórios para a solução do problema, o índice de recuperação era bem mais elevado do que o comumente alcançado, o qual não chega a dez por cento, e indicavam uma diretriz alternativa para romper com os modelos institucionais atuais inoperantes.

Três coisas importantíssimas que Dr Siro fez, que eu me lembro:

1) Quando chegaram os primeiros computadores à 1a VIJI, Dr Siro mandou retirar as máquinas de escrever para nos obrigar a usar o computador , pois quase todos os funcionários queriam continuar usando as máquinas com que estavam acostumados.

2) Ele implantou, ainda no século passado, o processo sem papel, o qual chamou de “virtual” e que hoje é conhecido como processo eletrônico.

3) Como alguns pais e responsáveis não tinham dinheiro para comparecer ao juízo a fim de regularizar guardas de fato e Registros de Nascimento, ele decidiu levar a Justiça aos jurisdicionados. Assim, foi criado o projeto “Justiça na comunidade”, que, posteriormente, o Tribunal de Justiça adotou com o nome de “Justiça Itinerante.” Hoje, há um ônibus com toda a estrutura, mas, no início, íamos em kombis e tudo era improvisado. Lembro-me que, em 2000, ele transformou em ‘juizado’ a quadra a Escola de Samba Unidos de Padre Miguel, onde cada “camarote” transformou-se em um setor: Plantão, Defensoria Pública, e sala de audiências.

Uma pessoa à frente do seu tempo, Dr Siro Darlan é, e sempre será, uma referência quando se fala em Juiz De Menores. Porque ele não se limitava a aplicar a letra da lei, mas, buscava atingir o seu espírito, que é a proteção integral do menor, fazendo com que as medidas protetivas alcançassem toda a situação familiar. O maior exemplo que posso citar aconteceu quando eu chefiava o Serviço de Plantão. Uma senhora nos procurou dizendo que ela e seus filhos precisavam de uma casa para morar, e ela tinha ido ao “Juizado” porque ouviu falar que o Dr Siro protegia as crianças, e as crianças dela estavam precisando de proteção, que era uma casa. Eu fui ao Gabinete e transmiti o recado: Dr Siro, ela quer que o senhor arrume uma casa para ela. Na mesma hora, ele mandou-me fazer um ofício para a então Governadora Rosinha Garotinho pedindo uma casa para a tal senhora, que saiu toda feliz com o ofício nas mãos. Dois meses depois, a senhora voltou ao Plantão, e contou que ela havia conseguido a casa, mas agora ela precisava fazer a mudança, porque o prazo para mudar e tomar posse da casa era até o dia seguinte, e ela não tinha dinheiro para pagar o frete. Claro que Dr. Siro conseguiu um carro para fazer a mudança.

Outra situação inesquecível foi quando três meninos de rua chegaram ao Plantão procurando o Juiz: Cadê o Sidarlan? Queremos falar com Sidarlan, gritavam. As crianças sempre chegavam assim, cheios de “intimidade.” Ele está no segundo andar, falei, mas eu vou contar para ele que vocês estão gritando. Eles saíram correndo. Alguns minutos depois, eu entro no Gabinete para relatar o acontecido, e vejo os três meninos sentados em volta da mesa do juiz, felizes, bebendo suco de frutas e comendo biscoitinhos, na maior alegria.

Este é o Dr. Siro Darlan de Oliveira que eu conheci.