ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
1ª VARA DE ÓRFÃOS E SUCESSÕES – 1ª VOS
Rua Erasmo Braga, 115 – B-101 – Lâmina I – Castelo – Rio de Janeiro/RJ

Ofício GJ nº JBD/055 /2013.
Processo 2013-162810

Rio de Janeiro, 09 de setembro de 2013.
Excelentíssimo Senhor Corregedor,
Recebi em 09/09/2013 ofício nº 1522/2013-NUJAC emitido por V.Exa., e deixado após o expediente do dia 06/09/2013 na assessoria deste juízo, no qual V. Exa. solicita sejam prestadas “informações sobre o evento ocorrido no dia 27 de agosto de 2013, em que foi exposta a obra do cartunista Carlos Latuff e apontada como ofensiva em matéria jornalística”.
Primeiramente cabe esclarecer que a obra não foi considerada ofensiva em notícia jornalística. Quem a considerou ofensiva foi parlamentar componente de grupo que tangencia a negação dos direitos da pessoa humana, a discriminação racial e a homofobia, por meio de ofício endereçado à presidência deste tribunal, cujo protocolo tem o mesmo número do procedimento acima referido (Prot. 2013-0162810) (DOC. 01).
Tal parlamentar instigou policiais militares, que se identificassem com a violência retratada na obra, a moverem ações contra o artista e os expositores da obra. Da instigação resultaram diversas ameaças de morte a mim dirigidas, conforme já comunicado a presidência deste tribunal (DOC. 02).


Não obstantes tais ameaças o órgão técnico deste tribunal, subordinado à presidência e encarregado da deferir segurança pessoal aos magistrados, fez cessar a proteção institucional a mim deferida.
Ante a cessação das medidas protetivas de minha segurança pessoal e institucional, eventual sinistro não haverá de se inscrever no campo do dolo eventual, mas em comportamento comissivo por omissão, considerando a relevância da omissão, nos termos do art. 13, § 2º, “a” do Código Penal.
Das matérias jornalísticas não há qualquer juízo de valor sobre a obra ou sobre o ato de sua colocação nas dependências deste juízo.
A única informação passível de correção foi a interpretação de que o homem seria Jesus, o que foi feito (DOC. 03). A imprensa, cuja veracidade, por vezes, se limita à data e ao preço estampado na capa (ainda que se já tenha editado jornal com preço e data errados) desta feita atuou em consonância com a realidade fática, diversamente de outros órgãos institucionais.
O homem na cruz sendo alvejado pode ser qualquer pessoa. Muitos são os negros, pobres e jovens vitimados pela truculência policial nas periferias das cidades brasileiras. Assim, o personagem pode ser qualquer deles. Não é Jesus. Não há inscrição na cruz que o designe.
Quanto ao agente pode ser qualquer um que tenha participado de violação aos direitos humanos. A identificação com o personagem da obra haverá de ensejar apuração e ante eventual arquivamento de autos de resistência, ou procedimentos de outras naturezas, há de ser considerada prova nova capaz de autorizar o seu desarquivamento.
O tema da violência do Estado já foi visitado por artistas de diversas épocas. Aleijadinho esculpiu os soldados portugueses crucificando Tiradentes; Goya pintou o massacre de 03 de maio de 1808 na Espanha e Pablo Picasso pintou Guernica.
Quanto à criação e exibição da obra, temos o seguinte:
Dispõe a CR em seu art. 5º, IX que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
A obra de arte do cartunista Carlos Latuff, intitulada “Por uma cultura de paz”, foi por ele concebida e a mim doada e é expressão artística que independe de licença e não está sujeita a censura.
O art. 5º, IV da CR dispõe que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O ato de sua colocação, praticado por juízes e desembargadores deste tribunal, é expressão da liberdade de manifestação do pensamento.
A colocação da obra, nas dependências do juízo da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões, com a participação de juízes e desembargadores deste tribunal, além de promotores. defensores, advogados, serventuários e sociedade civil, foi um ato em prol da dignidade da pessoa humana (art.1º, III da CR).
Tanto a concepção e a criação, quanto a sua colocação nas dependências deste juízo encontram amparo art. 220 da CR que dispõe: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.
Dispõe a CR no art. 5º, II que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”. Inexiste norma que regulamente a colocação de obras de artes ou exteriorizações concretas do pensamento no âmbito das dependências do poder judiciário.
Pelos órgãos do poder judiciário fluminense (cartórios, secretarias, gabinetes, salas de audiências ou de sessões) é possível ver obras de arte, imagens religiosas, retratos familiares, diplomas e certificados, condecorações e medalhas, bandeiras de times de futebol etc… Assim, a colocação de uma obra de arte nas dependências do juízo do qual sou titular se inscreveu nas manifestações de pensamento que a todos têm sido garantidas no âmbito deste poder.
O ato de colocação da referida obra de arte no âmbito do juízo do qual sou titular encontra-se amparada em permissivo constitucional que apenas veda comportamento em razão da submissão ao princípio da legalidade. Inexiste norma que regulamente a colocação de obras de arte ou outras manifestações nas sedes dos juízos, razão pela qual em todos os órgãos deste tribunal tais manifestações são encontradas.
Do ato de colocação da obra “Por uma cultura de paz” do cartunista Carlos Latuff participaram vários outros desembargadores e juízes vinculados a esse tribunal, além defensores públicos e membros do Ministério Público, conforme comprovam fotografias em anexo (DOC. 04).
O ato de colocação da obra doada pelo cartunista Carlos Latuff foi feito a 8 (oito) mãos. Diretamente participou do ato o artista Carlos Latuff, o membro do Conselho de Ética da Presidência da República, Dr. Modesto da Silveira, o Desembargador Siro Darlan e eu (DOC. 04).
Para maiores informações sobre a colocação da obra nas dependências deste juízo solicito a Vossa Excelência busque informações junto ao Desembargador Siro Darlan, que do ato participou diretamente (DOC. 04).
Apesar do disposto no art. 220, § 2º da CR onde consta que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”, a obra não permaneceu nas dependências deste juízo. Antes da notificação da suposta decisão do Órgão Especial para sua retirada a mesma foi encaminhada para o gabinete do Desembargador Siro Darlan, que lhe concedeu “asilo artístico” (DOC. 05).
A obra foi retirada das dependências do juízo do qual sou titular. Mas, permanece nas dependências do Forum, no gabinete do Desembargador Siro Darlan (DOC. 05).
Havendo necessidade de maiores informações ou apurações sobre a colocação da referida obra de arte, ato do qual participaram desembargadores e juízes vinculados a este tribunal, solicito a V.Exa. seja o presente procedimento remetido à instância própria, considerando que o ato foi praticado – conjuntamente – por magistrados de instâncias diferentes a ensejar o deslocamento de competência (DOC. 05).
Aproveito o ensejo para reiterar verdadeiros protestos de estima e elevada consideração.

JOÃO BATISTA DAMASCENO
Juiz de Direito Titular