DEMOCRATIZAÇÃO NOS TRIBUNAIS.

SIRO DARLAN, DESEMBARGADOR DO Rio de Janeiro

Art. 20. Compõem a Administração do Tribunal de Justiça o Presidente do Tribunal de Justiça, o Corregedor-Geral da Justiça e os três Vice-Presidentes, eleitos em votação secreta pelos membros do Tribunal de Justiça, aí incluídos desembargadores e juízes de primeiro grau, na forma da lei e do regimento, para servir pelo período máximo de 4 (quatro) anos, consecutivos ou não, vedada a reeleição para o mesmo cargo. (Siro Darlan, a primeira parte)

Art. 35 Aos Juízes de Direito incumbe:

XI – eleger os membros da Administração do Tribunal de Justiça, por eleição direta e ampla. (Siro Darlan)

Artigo 52.

Parágrafo segundo: Fica criada a Vara de Execução das medidas sócioeducativas, cujo juiz será encarregado de dar cumprimento às medidas sócioeducativas em meio aberto e fechado. Justificativa: faz-se necessário a criação de uma Vara Especializada para dar cumprimento à Lei 12.594/2012, que disciplina e regulamenta a execução das medidas socioeducativas. (Siro Darlan

A Emenda aos artigos 20 e 35 visam a democratização do sistema de escolha dos administradores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Isto porque, dos cerca de 840 juízes, apenas 180 (21%) tem direito a voto. E destes 180 afortunados, apenas 5, os desembargadores mais antigos, podem ser eleitos. E como são justamente cinco os cargos em disputa (presidente, 3 vice-presidências e corregedor geral), trata-se de uma homologação da dança das cadeiras sem riscos. O atual estágio da democracia brasileira já não admite que uma decisão de tamanha relevância como essa fique adstrita ao arbítrio de um número tão pequeno de magistrados.

O princípio contido no art. 93, XI, da Constituição Federal, que determina a realização de eleição, é auto-aplicável. Como o próprio CNJ já decidiu em relação a outros princípios do mesmo dispositivo (regras do concurso de ingresso, fixação do teto, proibição de férias forenses, critérios de promoção), não há necessidade de aguardar o Estatuto da Magistratura.
A participação de um maior número de magistrados interessados e atingidos pelos atos de administração proporcionará um debate efetivo e enriquecedor sobre o papel do Tribunal e suas prioridades no Estado Democrático de Direito, o que acarretará um aperfeiçoamento institucional e o aumento do interesse dos cidadãos pela coisa pública, requisitos imprescindíveis à consolidação da democracia em nosso país. Precisamos inserir na agenda de moralização e modernização do Poder Judiciário: a eleição para os órgãos especiais dos tribunais.

A questão que agora se coloca para evitar as eleições é uma espécie de “direito adquirido ao poder”, algo inconciliável com o conceito de democracia. Inamovibilidade é princípio constitucional que impede seja o juiz afastado sem punição de seu cargo jurisdicional, prerrogativa para evitar que seja ele manietado ou pressionado a julgar de uma forma ou outra. Não alcança, no entanto, funções de direção ou representação, como são aquelas desempenhadas nos órgãos especiais.

O de eleição por todos os magistrados permite e exige uma ação transparente, na perspectiva democrática, o que implica, igualmente, um sentido de colaboração com a democracia e com a tarefa de bem distribuir a Justiça, na medida que oferta elementos para a escolha da composição da mais alta Administração do Poder Judiciário Estadual, considerando aspectos relevantes, como legitimidade e representação social de cada pretensão, vinculação dos postulantes com os fundamentos constitucionais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e seus compromissos com os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, de erradicação da pobreza e da marginalização social, da redução das desigualdades regionais, e da promoção do bem de todos sem distinção de origem, raça, sexo, cor, idade e outras formas de discriminação.

Para gerir um orçamento tão elevado, quais as prioridades da administração? Apostar na construção de novos e suntuosos prédios ou em instalações de mais varas, para ampliar o serviço? Comprar modernos veículos de representação aos juízes ou apressar a informatização? Destinar verbas para mais assessores aos desembargadores ou mais funcionários para os cartórios de primeira instância? Criar varas nas periferias, onde reside a população mais carente de recursos e de justiça ou instalar juizados em aeroportos?
A democracia produz racionalidade porque impõe projetos e torna claras as opções políticas. Se a democracia é imprescindível para a administração dos bens e projetos públicos do Executivo e Legislativo, porque não o seria para o Judiciário? Só teme tanto a democracia quem nela não acredita. E se não acreditamos na democracia, faz sentido que seja o Judiciário o poder a conduzi-la? Estão os juízes aptos para exercitar o gerenciamento do processo eleitoral, se na casa dos ferreiros os espetos são de paus, porque os juízes não são aptos a decidir livremente?

A expansão da democracia moderna, dizia Bobbio, está no fato de mais instituições a praticarem dentro da sociedade. Em um Estado que se afirma Democrático de Direito, não há sentido a existência de lugares em que o exercício de democracia esteja proibido. Tanto mais em uma instituição pública, como o Judiciário.

Opondo-se durante longo tempo à democratização interna, as cúpulas dos tribunais argumentavam que o corporativismo tomaria conta do Judiciário se houvessem eleições diretas. O que se tem visto é que a defesa dos interesses de classe está ainda mais imbricada entre os donos do poder, como se notou pela resistência dos mais antigos ao fim do nepotismo e o movimento dos desembargadores pela preservação de salários acima do teto.
É ingenuidade imaginar que será possível modernizar o Judiciário, torná-lo eficiente e justo, igual e efetivo, independente e emancipador, sem que se possa democratizá-lo. É certo que a democracia interna está longe de ser suficiente para transformar o Judiciário, afinal, o Poder deve pertencer ao povo e não apenas ao conjunto de seus juízes. Mas a democratização se articula com outras exigências indispensáveis para uma necessária e profunda reconstrução da Justiça, como a valorização da independência do juiz e o controle social do serviço. Temos visto que uma coisa não vem sem a outra.

Justiça democrática é aquela apta a garantir a igualdade efetiva entre as partes, que não exclua os já excluídos porque não fazem jus a pisar em seus tapetes vermelhos, de chinelos; que consiga enxergar a tarefa primordial do juiz em garantir direitos fundamentais e jamais promover a discriminação.

A complexidade moderna exige um juiz atento ao caráter político da decisão e às suas repercussões sociais. Um juiz com formação interdisciplinar, que supere a vetusta idéia do direito como ciência pura, que exista não em função da pessoa humana, mas apesar dela. Um juiz-cidadão, que participe criticamente da sociedade, ponto de partida para compreendê-la e ser por ela compreendido. Um juiz que não abdique do papel de garantidor de direitos em troca de benefícios corporativos, impondo, quando necessário, a implementação de políticas públicas para assegurar que direitos escritos não se transformem em tigres de papel. E juízes que saibam gerir os recursos pensando no caráter de serviço público da Justiça e não como mera reprodutora de tradições e regalias.

Medo da democracia têm os mesmos que têm medo da igualdade e, por isso, preservam redes de proteção ao poder, como imunidades parlamentares e foros privilegiados. A idéia de que seja possível administrar sem política não é apenas retrógrada e conservadora, pressupondo que exista uma tecnocracia da antiguidade, mas é também destituída de qualquer fundamento razoável.

Enfim, ao querer ver os juízes longe das paixões políticas, receando o pluralismo que é marca indistinta da democracia, demonstra-se que não quer um Judiciário que se afaste das tradições, que saia dos trilhos já previamente afixados, que se modernize ou se democratize. Deve manter-se onde sempre esteve, autocentrado, gerido pela gerontocracia, e de costas para o povo. Como uma legítima tropa das elites.

Os juízes e juízas do Brasil querem escolher por meio do voto direto, os presidentes dos tribunais. Não existem justificativas plausíveis para manter modelo eleitoral restritivo como o que está em vigor. A conjuntura demonstra a necessidade urgente de democratizarmos os tribunais. Essa medida fará uma verdadeira transformação em prol da efetividade dos serviços judiciais, com maior celeridade da justiça e aplicação mais racional do orçamento do Poder Judiciário. Espera-se, agora, que não percamos essa oportunidade impar de fazer história na tarefa de modernizar o Judiciário brasileiro, afastando os interesses corporativos e fazendo cumprir as determinações da reforma do Judiciário. Resistências existirão, mas o resultado seguramente aproveitará à sociedade.